Fim de ano chegando e me sinto uma criança tentando comer pipoca numa praça velha repleta de pombos voando na minha direção. Decisões acarretam mudanças. A música tenebrosa que volta à memória com a pior pergunta de fim de ano não para de dar repeat no cérebro: “Então é Natal, e o que você fez?”. Bem-vindo, dezembro, e o ciclo inventado de reinício num calendário que pisa nos nossos pés, num descompasso do coração batendo alto como a bateria da Mangueira, a boca seca como o Cariri e os pés tentando se equilibrar no gelo do Alasca.
As promessas de fim de ano atormentam nas escritas dos cadernos em branco que insistimos em comprar novos, com aquele título: 2025! - tudo em harmonia. E lá estão eles, seus pensamentos repetitivos prontos para te assombrar. E você? Vai prometer mais coisas para o ano que vem? Eu te olho aqui nesse espelho-carta semanal e te pergunto: TU JURA? Basta de promesas! Deixa ir o desejo de ficar prometendo coisas, pelo amor das deusas!
Porque, sinceramente, o que faz sentido prometer de novo se você não vai cumprir? No mundo das promessas, minha maior ambição seria prometer ter uma autoestima condizente com a realidade — adequar minha miopia de mim. Nem mais, nem menos do que é preciso para existir criando projetos criativos e seguir sem desistir. Digo isso porque: arte sem um mínimo delírio de autoestima? Não dá, não quero, é bom ter.
Assim, incluo na lista não só a revisão das distorções, mas também o abandono de promessas absurdas ou inalcançáveis que eu mesma me cobrei cumprir. Fazer uma nova lista parece o caminho. Comecemos com uma pergunta sutil: Como você define sua autoestima? Vamos ao clássico dicionário: O que é autoestima?
Se valorizar é se organizar também. A parte da confiança é onde, geralmente, principalmente nós mulheres, fomos ensinadas a ajoelhar no milho que nós mesmas jogamos no chão e sofremos a temível e conhecida autosabotagem. E depois ficamos nos perguntando, como agora eu em dezembro, como vim parar aqui com esse monte de pombo em cima de mim?
O espelho da evidência que nos olhamos de canto de olho em cada porta de vidro pela rua, em cada carro estacionado: Qual dessas autoimagens me contém? Onde será que a imagem está de fato distorcida do que você acredita? E o que você acredita de si é distorção?
Mais e mais perguntas
Como já escrevi sobre no #SOA_008 | será sempre mais perguntas do que respostas? Respira que vem mais perguntas! Você consegue nomear o que é bom em você? Seja esteticamente, em comportamento ou habilidades “fúteis”. Minhas crianças dizem: "Eu sou corajosa, sou ótima no patins, sou boa em matemática." E nós, adultos? O que falamos entre os nossos que somos bons? Cozinhar? Fazer faxina? O que você tem em você que faz com orgulho?
Buscar no outro uma aprovação é parte da humanidade, e os estudos nesse campo seguem animados. Mas, esses dias, revisitei as vozes dos outros na dialética de reafirmar o que eu quero e sou capaz de escutar ou falar. O que está dentro de você, fiel, que se mantém ativo, pulsante, brilhante?
Você já sabe que é bom em algo: desenhar, escrever, pintar, fotografar — seja qual for sua arte. Mas, e a aprovação dos outros? Quais dinâmicas ela alimenta? O que quero trazer nesta semana para debate é simples: Vamos nomear o que há de bom em nós.
A prática de nomear
Recentemente, em uma consultoria, pedi a uma artista para nomear possíveis parceiros do seu projeto. Com mais de 20 anos de carreira, ela conseguiu citar apenas dois. Será mesmo? Em meia hora de conversa, identifiquei mais parceiros, instituições e trabalhos do que ela, recém-conhecida por mim. Faltava percepção? Autoimagem distorcida? Talvez.
Será porque ela não conseguiu ver? Esse, de fato, é um dos pontos fortes pelos quais artistas precisam de produtores, agentes ou managers? Ou será porque todos nós somos cegos para saber o que somos bons, quem são nossos parceiros de trabalho e com quem podemos contar?
Em Portugal: redes e editais
No cotidiano, acho que temos dificuldades, mas, sem querer, fazemos isso. Qual amigo você liga para quê? Qual é o amigo que vai te ajudar a fazer uma mudança e é bom em decoração? Qual é o amigo que você procura quando está com a autoestima baixa? Qual amigo você procura para te emprestar dinheiro?
Coisas práticas como dinheiro, carro ou o que a pessoa tem acesso, bens físicos disponíveis na sua rede de contato, você consegue acessar de maneira mais rápida em sua mente. Quando você começa a nomear o que é bom em você, também é capaz de nomear o que é bom no seu projeto, o que é bom na sua rede e com quem você pode contar para pedir apoio. Ser bom em nomear coisas em alto e bom som começa no pensamento e cai na folha de papel. Use.
Aqui em Portugal, nós, imigrantes, não temos rede de apoio, o que é péssimo. Mas isso também exige um nível de atenção redobrada: Quem, meu Jesus, pode ter um carro para me emprestar para minha mudança?
Bom, agora, em dezembro, em Portugal, está para abrir o concurso da DGArtes, que é a Direção-Geral das Artes. A movimentação já começou. Ligações, pedidos de escrita, apoios. Quem vai me ajudar? Onde meu projeto vai circular? Todo projeto se faz as mesmas perguntas: artes visuais é “quem vai abrigar minha exposição?”; músicos é “Onde vou tocar?” Lembrar da cascata em forma de cachoeira sempre ajuda. Mas não é para se afogar!
A DGArtes é parte do planeamento do Ministério da Cultura do governo de Portugal, que vai balizando as estruturas e aparelhos culturais do país. Como a maioria dos editais, ela pede cartas e comprovações de que você tem os apoios e redes de contatos de que precisa. Muitas cartas: cartas de compromisso, cartas de apoio, cartas de recomendação. Tudo é, no fim, baseado nas relações e na sua visão de enxergar bem o tal networking que necessita ativar que compõem sua ideia. A maioria dos artistas com quem trabalho ou são iniciantes ou são imigrantes. Como eles vão conseguir essas cartas se não souberem nomear o que há de bom em si? Necessário se ver para ver o outro.
Nomear a si
Nomear o que há de bom em si é saber que você é muito boa e tem qualidades. Isso é tão importante quanto reconhecer os nossos defeitos. Porém, a gente fala mais sobre o que não tem do que sobre o que tem.
Eu realmente sugiro, esta semana, o exercício de colocar o seu nome lá em cima daquela folha em branco que te persegue. Liste as coisas a favor e contra da sua personalidade, do seu currículo, da sua ação, do seu projeto, das suas ideias. Se auto liste.
Os pontos contra, às vezes, só estão na sua cabeça e pode ser que os a favor também. Mas todo o trabalho artístico é justamente sobre ouvir as vozes da nossa cabeça não necessariamente acreditar nelas. Os contras também estão na sociedade em si. Se é mulher, por exemplo, isso pode ser um contra por si só, em todos os editais? Não. Nomeando - você além de ir no geral nacional você vai buscar os editais focados em mulheres, redes de apoio específicas para mulheres. Seu projeto é mais social do que lucrativo? Isso também tem pontos positivos e negativos. Iniciar o mapeamento do seu próprio projeto por você pode ser a melhor coisa para sustentar a base do seu trabalho e da sua própria arte de forma mais sustentável e sem falsas promessas.
O meu poder
Um dos meus pontos fortes, que valorizo muito hoje, é a capacidade de colocar ideias em palavras. Sempre foi algo natural para mim. . Não posso dizer que sou mestra na arte da síntese, como podem confirmar companheiros e amigos que já receberam textos longos sobre assuntos simples. Ou vocês que estão me lend aqui toda semana. Mas sei que tenho um superpoder: traduzir ideias e movimentos em palavras. E nunca usei tanto esse dom quanto agora.
Para chegar até aqui, precisei me enxergar como alguém capaz de escrever regularmente, de criar para os outros e para mim mesma. Reconhecer isso levou tempo — 20 anos para perceber e aceitar que eu podia. Hoje, escrevo não apenas para expressar, mas como uma ferramenta profissional, ganhando a vida com ideias, projetos, newsletters e consultorias.
Além disso, a escrita me deu um susto em forma de presente inesperado: perder o medo de ser ridícula. Perder o medo de ser vulnerável. Parece contraditório, mas escrever me protege. É como se, ao me expor, eu também criasse uma armadura. O que poderia ser meu ponto fraco vira uma força.
Quem faz o exercício diário de escrever tudo o que vem à cabeça — seja em um caderno ou em mensagens para amigos — está, sem perceber, treinando algo essencial para o trabalho artístico: perder o medo do ridículo. Perder o medo de parecer banal e exercita a coragem de se expor e de tornar suas ideias produtos.
Quando escrevemos um projeto artístico, estamos nos expondo. Nós não somos o nosso trabalho — jamais concordarei com essa frase. Nem quando se é artista. Podemos ser nosso trabalho, também, mas somos muito mais do que isso. Porém, o intrínseco de dentro de si escapa pelas palavras, pela obra de arte, pela canção. Você não quer que o outro veja, porque pode ser bonito demais, feio demais, ou dar medo demais.
Mas o papel não julga. O papel pode ser teu óculos na miopia de ver a si, o seu preciosimo e o seu ridículo. Descobrir tuas gostosuras e seus ridículos e desenhá-los em letras. E amar a si e o ridículo talvez, seja uma das formas mais puras de arte. Então, comece. Se você não sabe por onde, escreva sobre algo ridículo em você, mas que você ama.
Eu, por exemplo, amo dançar salsa. E sou péssima nisso. Quando tento, me sinto como uma estrangeira no samba, desajeitada, perdida. Mas continuo amando. Porque o superpoder não está em fazer bem ou mal — está em tentar, em criar, em expor.
Arte é exercício, é trabalho, autoestima se constrói, e nada chega pronto. Tudo o que floresce é porque cultivamos com energia contínua. O que é bom em você pode sempre melhorar. E o que é ruim? Bom, risca da tua lista de ano novo e segue.
Minha lista de 2025 está aqui, começando com:
Reconhecer que tenho o superpoder de falar e escrever sobre qualquer assunto.
Desenvolver o superpoder de nomear o que há de bom em mim.
Escrever minhas qualidades em pequenos papéis, guardá-los em uma caixa ao lado do computador e pescá-los quando precisar.
Saber que sou boa no meu trabalho.
Reconhecer que quero, mas não esperar validação externa para iniciar ou dialogar com meus desejos.
E você? Consegue listar três coisas em que é realmente boa/bom?
Quais redes de apoio têm sustentado seu trabalho artístico ultimamente?
Estamos por aqui.
Até a próxima semana!
Com carinho e energia,
Chaiana Furtado 💜
Beijos de #FocanaLuz ✨
☂️ S.O.S da semana:
🏹 #SeInspiraArtista
Nesta semana, destaco o trabalho de Janaína Vieira (@jnavieira), que nos inspira com seu cotidiano revisitado e a prática de “criar com as próprias amizades.” Janaína é uma artista visual multidisciplinar que explora colagens, pinturas, instalações e intervenções urbanas. Deixo abaixo o projeto que Janaína tem um episódio contando sobre o seu trabalho em um canal incrível do Youtube chamado musa arte que um amigo indicou essa semana, que material bem feito, roteiros e entrevistas. Inspirem-se:
Estudar é preciso: corra atrás de conteúdos que te inspirem!
Livro: “A Coragem de Ser Imperfeito” de Brené Brown.
Livro: “Escrever sem medo” de Jana Viscardi
Vídeos: canal incrível do Youtube musa arte
Share this post