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#SOA_033 | qual é a carne mais barata?
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#SOA_033 | qual é a carne mais barata?

o meu em dinheiro, por favor.
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Fiz uma mini carta aberta aos meus querides seguidores do Instagram comentando o debate público atual do cinema brasileiro sobre a produção do filme Geni e o Zeppelin, de Anna Muylaert1 — e vou falar aqui do ponto que me chamou atenção:

Produção, me dá o meu em dinheiro?
O mercado das artes e os preços sociais — quem tem medo de falar sobre dinheiro?

O silêncio sobre o dinheiro

A quem serve não falarmos sobre isso? Por que ainda temos medo de falar de dinheiro? De pedir, de cobrar, de perguntar quanto seu amigo artista aceita ou acredita que merece? Já reparou nos preços que você paga por um trabalho artístico? Então por que você cobra menos?

Entender mercado é entender que o seu trabalho vale. Vale o seu tempo, vale a sua pesquisa, vale a sua vida.
E tem concorrência.

Você está, muitas vezes, concorrendo com seus próprios colegas e parceiros. Os freelancers aqui sabem: todo mundo, sem uma carreira sólida e sustentável ainda, tem medo de fazer um "job" e depois ficar sem. Os atores e atrizes, ainda mais expostos, estão na mão da visão da equipe com que trabalham, contratos mal redigidos, agentes que nem sequer investigam o projeto — e o tal “resolve na montagem”.

Quando um ator fica doente no meio de um filme? O que acontece? E um profissional? Somos tão substituíveis, não é mesmo?

Quem, no início, (e no meio - começo) não foi e vai aceitando, aceitando — até se tentar chegar ao verdadeiro privilégio artístico, que é além do financeiro é o de realmente poder escolher nossos trabalhos?

A gente escolhe mesmo dar nossa cara a tapa?
A arte exige estrutura. A estrutura exige coragem.

Exposição e responsabilidade

Entre o glamour e a precariedade, mora o real do artista.
E compartilhar conhecimento é uma forma que acreditamos aqui no SOA de fomentar o mercado de maneira mais honesta.

Com o debate público em torno do filme, uma outra questão emergiu:
a equipe será trocada em cima da hora, duas semanas antes de filmar — não só o elenco, como também outras funções.
A troca não está aqui em discussão, é justíssima. Mas e os contratos? Eles existiam? Vão existir? O quanto de mergulho se dá para entrar em duas semanas em tamanha mudança?
As pessoas que trabalharam até aqui vão receber até aquele dia? Vai ter uma espécie de seguro desemprego por terem sido mandadas embroa?
Ou também são responsabilizadas — silenciosamente — pelo erro público e político da direção e produção?

Essas pessoas vão receber o quê? Gratidão?

Violência simbólica e reparação

No caso da atriz que pintou o cabelo como parte da preparação — vão cuidar desse corpo? Desse cabelo? Mas isso é "por menor"? Será? O corpo é criado para e fica à disposição de — e depois, essa sensação de descarte no processo das artes,
sem estruturas de indústria e proteções trabalhistas, tem dimensões na saúde em suas mais diversas vertentes.

Como se expõe um elenco a mudanças em seu corpo para personagens — e depois:
o corpo é de quem?

Falar de dinheiro é um ato de cuidado e profissionalismo radical.

cof, cof: meu mini pronunciamento social

As violências sistêmicas — como bem sabemos, mas com frequência escolhemos esquecer — estão enraizadas em estruturas compulsivas, transversais, e se repetem.
Sob o verniz da arte, do progresso, da liberdade criativa ou do debate público.

Um dia — quase todos os dias — essas violências chegam até nós. Mas sempre em alguns corpos mais do que em outros.
E esses, geralmente, não são os nossos: no caso, o meu e o teu — brancas e cis do cinebras.

E quando chegam, cobram alto: em saúde mental, em dignidade, em exposição, em silêncio ou em reparações impostas.

É profundamente doloroso ver uma existência — e não apenas um personagem — sofrer os efeitos de uma exposição pública que deveria ter sido evitada com zelo, escuta e responsabilidade.
É impossível não pensar também, com dor, nas complexidades de uma substituição — claramente necessária — mas e agora, como se cuida das partes? De todas elas?

A dor do processo

Somos uma classe trabalhadora de uma indústria voraz, hierárquica e, na maioria das vezes, desprotegida. Suas decisões moldam não apenas o que é visto nas telas, mas o que é vivido fora delas — com consequências reais, profundas e, muitas vezes, irreparáveis.

É fundamental que a responsabilidade seja dividida de forma justa — não apenas sobre quem sai, mas também sobre quem permanece. A atriz que foi previamente contratada merece tanto cuidado quanto a que assumirá o papel. Ambas foram atravessadas por esse processo descabido — e que acabou, mais uma vez, sendo tornado público.

Não podemos permitir que essas dores continuem sendo exibidas em praça pública como espetáculo.
Que esse episódio não seja apenas uma nota de rodapé na história que será recontada futuramente em tapetes vermelhos, entrevistas ou prêmios.
Que não seja mais uma ferida escondida sob o brilho da consagração.

O mercado é feito de gente

Esperamos, portanto, que a responsabilidade sobre a complexidade de se produzir um filme — não apenas criativa, mas humana — seja completa.
E que se entenda: algumas dores não podem ser ignoradas. Nem silenciadas.

Devem ser enfrentadas. E sim, reparadas — inclusive financeiramente.

Porque é insuportável continuar vendo o mesmo sangue, dos mesmos corpos, escorrendo sob o aplauso do entretenimento.

A coragem de cobrar — em cuidado, em afeto, em espaço, e sim, em dinheiro — também é um ato de amor e profissionalismo radical.

Que a produção encontre seu caminho.
Que nosso cinema siga forte, contando histórias com a força e dignidade que os personagens merecem.
E que nós, artistas, tenhamos força para assumir a responsabilidade da mudança — nas esferas que virão, nas que ficaram e nas que passaram.

A Associação de Profissionais Trans do Audiovisual (APTA) está fazendo sua parte extremamente importante na articulação de forma forte na transição de futuro,
mas que não se abandone, financeira ou simbolicamente, as escolhas do passado.

Que possamos, enfim, perguntar sem medo:
E agora? Como se repara em cima da hora? Quem paga — e em que moeda — por um pedido de desculpas público?

Cartas ao travesseiro

Às custas de algumas (mais uma vez) — quase sempre as mesmas — temos aprendido, (mais uma vez e até quando?) coletivamente, sobre nossas narrativas.

Cada uma de nós, deitada no próprio travesseiro, tentando lidar com o fato de que trabalhamos narrando emoções humanas,
traduzindo no corpo, na fala e no gesto esse sofrido artesanato de existir que eu chamo de cinema.

E, por uma dessas ironias que só o tempo (ou as deusas do cinema) revelam, esse filme — esse projeto ainda não filmado —
recebeu, graças à voracidade do marketing, a bênção de ser didaticamente exposto.

Às vésperas, um tsunami complexo de debate veio à tona. E me pergunto: e se não tivesse saído aquela matéria no Globo?

Não quero me perder nos “e se”. Prefiro pensar no agora.

E pensar que talvez, enfim, nós — produtoras, realizadoras, profissionais da imagem e da palavra — estejamos prontas para lidar com discussões reais.
Inclusive com aquelas que tocam onde mais evitamos: o que significa, de fato, reparar um erro?

Às vezes, o que se quer — e o que é justo — é que essas desculpas venham também em forma de compromisso, em forma de estrutura,
e sim: em forma de dinheiro.

Se nossa arte é sobre a vida, precisamos começar a assumir o custo de expô-la.

O meu em dinheiro, por favor:

Construir um mercado saudável e mais honesto também precisa falar sobre isso:
falar sobre valores, preços, tempos , para tentarmos seguir através da sobrevivância de arte.

Quantos produtores aqui já ganharam o seu em dinheiro e não em "um muito obrigado" pelas suas mal contabilizadas horas extras em produções culturais?

Voltamos a falar mais sobre isso, certeza. Querem? ;)

Mas hoje, ficamos por aqui.

E, se você chegou até aqui, muito obrigada pela leitura.

E fica uma dúvida: talvez você, artista que me lê, já tenha sentido infelizmente isso no próprio corpo. Como atravessar essas dores e ainda assim continuar criando?

Aceito sugestões, inspirações e divagâncias coletivas.

Com carinho e energia,
Chaiana Furtado 💜
Beijos de #FocanaLuz ✨

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🏹 #SeInspiraArtista

Artista da semana: Alberto Pereira

Semana passada, uma leitora aqui do SOA indicou que víssemos o artista Alberto Pereira — e fomos. Achamos essa entrevista dele: “Forjanto imagens para desafiar a percepção” e essa mistura do real e ficção veio trazendo luz ao nosso esboço do diálogo da carta dessa semana.

“Gosto de pensar em mim como um falsificador de imagens, misturando-as até que o espectador não saiba mais o que é ‘real’.”

Na obra “Domingas” , ele pergunta:

“O que pode um arquivo? Como seus acervos são narrados e tutelados? Onde fica a fronteira do que aconteceu e do que foi inventado?”

☂️ S.O.S da semana:

Ver / Lembrar / Usar: Esse post da mestra Bábara Carine que uma competente parceira me enviou:


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Vou deixar uma matéria que resume o ponto atual - a menos bizarra que encontrei, para quem quiser saber o desenrolar do sobre.

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