O lado do oceano que escolhi morar essa semana recebe os ventos alísios mudando as direções das ventanias e fazendo chegar nessa terça-feira de carnaval o bafo quente do povo encantado das ruas, sopro de vida e recriação.
Hoje é Carnaval.1 E Carnaval é sobre ocupar espaços vazios e resistir com força, rebeldia e alegria. É o ato de tomar as ruas, de fazer do corpo um manifesto, de preencher o que foi esvaziado com nossa presença.

E depois do Carnaval?
Semana passada, acabei o edital da DGArtes. Apertei "submeter" e veio aquele vazio. Fiquei parada, olhando a tela do computador, olhos ardendo, coração em chamas. Tipo, é isso? Agora é esperar? E, se tratando de DGArtes, sabe-se lá quantos meses até uma resposta. Foi uma espécie de paralisia e satisfação. Eu esperava que fosse gritar, chorar, ou ir comer, mas não: fiquei parada.
Encara-se a próxima fase: espera. Outro tipo de paciência e ansiedade – reconstrução. Deixar a chama acesa desse processo de edital que inicia o alinhamento de projetos, que eu chamo de ponta de lança – e não encostar a lança no chão do quarto. Deixar ali, encarando o vazio ainda, e seguir em busca da realização.
Fiquei meses e meses pensando: o que inscrever? Newsletter? Instagram? Podcast? Mistura tudo? Inventa coisa nova? Nada vinha.
E eu escrevendo e escrevendo porque uma coisa se aprende com o exercício: apareceu na sua frente, escreve.
Foi assim que os machos brancos dominaram esse mundo: escrevendo.
Nos últimos meses, escrevi essa bíblia de muitas ideias entrelaçadas. Seja como for, para quem aprende a iniciar o movimento de transposição do etéreo para o papel – fica lá – tudo em registro, em cadência.
Pastas e pastas do projeto, frases e refrases, ChatGPT dando avaliação como se fosse banca de edital. (Usem ele assim, curto demais). Vi padrões na IA, reli projetos de amigos com as mesmas palavras, mas com domínios diferentes. Relembrei o que já sabia: não tem fórmula, embora tenha parâmetros em comum. O que importa mesmo é escrever, é fazer, é, de alguma maneira, comprovar que você tem estrutura para realizar seu projeto – que você fez a ponte entre a ideia virar um projeto.
E no último dia, eu triste porque inscrevi tudo do meu trabalho, mas nada dos meus projetos pessoais. Queria me colocar para ser avaliada. Queria receber feedback, mesmo que negativo. Queria escutar sobre.
Do lado da mesa de trabalho, acumulo papéis, livros, frases soltas, fotos, recortes de revistas... Tentando ali, parada na frente do site. Peguei um livro na mesa, joguei Racionais para tocar, fui pegar sol na janela e, folheando as páginas, respirei e deixei a inscrição de lado. Li.
E CARALHO, como livro é oráculo. Tava tudo lá. A cada página lida, os estalos vinham, o clique. Vi as conexões, vi a resposta, vi tudo claro às 13h do dia do encerramento. Mas vi! E comecei a me encher. Reescrevi tudo. “Do zero”. Em duas horas.
E fiquei, enfim, feliz. Tinha coerência em mim do projeto que tava lançado ao mundo. Pareceu “fácil” escrever, pareceu fluido reorganizar tudo nas últimas horas. Um livro que eu tinha “esquecido” ali, no caos da pilha de papéis – mas que eu havia comprado duas semanas antes, justamente porque tinha uma intuição:
"Esse livro vai me ajudar."
E esse homem, meu Deus – olha o que ele fez:

Do auge do carnaval, da fantasia fosse eterna, sempre chega depois a quarta-feira de cinzas.
E eu amo o conceito de renascer das cinzas.
No meu caso, esse quebra-cabeça de se colocar em movimento foi muito sobre não só o medo de escrever e ser avaliada, mas também sobre um pacto comigo mesma: não quero escrever um projeto que, se aprovado, 1 - não terá dinheiro suficiente, 2 - não vou gostar e me divertir em fazer, 3 - será um filho parido no mundo sem estar pronto.
Ocupar espaços com nossa política carnavalesca
Carnavalizar é preciso. Deixar espaço vazio e não chamar isso de nada. Se criar no nada. Ocupar com afeto, com coragem, com rebeldia. Ocupar na escrita, na rua, no corpo, no edital, no sonho.
Ocupar, porque a gente não sabe quando a luta vira festa, mas sabe que ela só existe porque a gente se junta.
HOJE, a carta de carnavalizar é sobre deixar espaço para o aconchego acontecer. Andar metade do caminho para dar a oportunidade ao outro, à faísca – ao que, acendendo, ganha oxigênio para seguir a outra metade.
No meu caso, o espaço do vazio sempre foi auxiliado pela literatura. A leitura do pensar do outro – mergulhar na narrativa do outro – tem um poder que me satisfaz, me dá respiro. Tem gente que encontra isso na música, no teatro. Tem o Carnaval também, ainda que uma vez por ano.
Embora, na verdade, trabalhar com Carnaval seja trabalhar o ano todo. Da escolha do enredo à construção do samba-enredo, à captação de recursos, ao planejamento e à execução de um espetáculo de 90 minutos de duração, em um dia que ganha dimensão de eternidade. O Carnaval e suas facetas têm muito a nos ensinar.
Essa carta é para você.
Respire espaços. Revisite seus livros, seus papelitos, seus carnavais. Os processos de anos e anos de resistência no teu enredo que você vem construindo.
Relembre que os 90 minutos do desfile, do edital, são apenas pontos numa linha do tempo infinita. Não acabam, não começam – são contínuos. Para gente que pulsa querência e reexiste entre ideias e desejos, como sopro da nossa própria vida.
Nos preencheremos do espaço do vazio.
Porque dele nasce tudo. Criar espaço é um ato político.
E faremos como o Carnaval: alegres, pulsantes, loucamente deslumbrantes e exageradamente militantes.
Com carinho e energia,
Chaiana Furtado
#FocaNaLuz ✨
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🏹 #SeInspiraArtista
Este ano, a Mangueira expandiu mais uma vez sua narrativa para além do desfile, ocupando diferentes plataformas e construindo um manifesto audiovisual que fortalece o enredo antes mesmo de pisar na avenida.
📌 Nov 3, 2024 – Mangueira 2025 - Clipe Oficial:
A escola lançou um videoclipe para colocar seu samba-enredo nas ruas de forma cinematográfica. Esse formato ainda não é comum entre as escolas, mas vem ganhando força.
📌 Feb 18, 2025 – Manifesto: O Rio é Banto
Um minidoc que apresenta a comunidade, o enredo e o compromisso com o letramento da existência e reexistência negra no Rio.
📌 Feb 20, 2025 – A espacialidade negra na Cidade do Rio de Janeiro
Explora a presença negra na cidade, muitas vezes minimizada ou apagada historicamente.
📌 Feb 20, 2025 – Os pretos novos do Valongo | À Flor da Terra
Aborda a negritude carioca e a vivência dos povos bantu na cidade, destacando o impacto do Cais do Valongo e da história dos "Pretos Novos" na região central do Rio.
E, claro, depois veio o desfile – a culminação desse processo de ocupação de plataformas e construção de memória.
🔥 Carnavalizar é extrapolar narrativas. Bora ocupar tudo! 🎭✨
☎️ Chamadas abertas em destaque - Portugal💥
📍março
09/03 - Open Call Jazzopa 2025 - oficina criação colaborativa e performance: jazz, hip-hop, spoken word, em diálogo com outras linguagens.
10/03 - Apoio à Criação Artística - Gulbenkian
11/03 - Innovation Call: Short Innovation Projects 2025 Segmento 1 (aplicação individual)
16/03 - Programa de Residência para Artistas Visuais e Cineastas - Cité Internationale des Arts
28/03 - Prémio Quem Brinca É Quem É | Fundação Santander | 2ª edição
31/03 - 5ª Edição do Prémio Nova Dramaturgia de Autoria Feminina
31/03 - Programa Regional NORTE 2030
31/03 - Prémio Gulbenkian Património – Maria Tereza e Vasco Vilalva
📍abril
06/04 - 3.ª Bienal de Jovens Criadores de Mafra
11/04 - Innovation Call: Short Innovation Projects 2025 Segmento 2 (consórcio)
23/04 - 3ª Edição dos Novos Talentos FNAC
24/04 - Creative Innovation Lab 2025
📍setembro
30/09 - Concurso de Texto de Teatro TEC 2026
📍outubro
31/10 - Apoio à Internacionalização - Fundação Calouste Gulbenkian (atenção: o prazo pode ser encerrado antes, dependendo do número de candidaturas!)
🚀 Chamadas abertas e materiais exclusivos
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💥Oficina Estado Bruto – Nova Turma em Breve!
Está preparado para dar vida às suas ideias?
A oficina “Estado Bruto: da Faísca da Ideia ao Movimento de Criação” A segunda turma da nossa oficina está chegando e queremos você com a gente!
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Ps: pedimos perdão pois hoje, não conseguimos apoio para editar um tiquinho melhor o aúdio dessa semana, mas feito é melhor que perfeito! Há de melhorar <3
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