começo a escrever, pensando que não quero mentir. mas também não quero falar toda a verdade. não por censura, dessa vez, mas porque ainda não a enxergo por completo.
✦ Semanas em suspensão ✦
Nas últimas duas semanas, não é que eu não escrevi a newsletter, eu só... não publiquei. E hoje, ao reler, elas já têm o sabor de ferrugem adocicada de um Biotônico Fontoura da infância: aquela fake news medicinal vendida pela publicidade que toda casa cheia de criança queria ter, acreditando que crescer era uma questão de fórmula.
A importância de seguir, persistir, insistir é o que motiva o projeto do Se Organiza, Artista como um todo. Não porque somos especiais, mas porque sabemos - como você - que não há escolha a não ser seguir, quando se quer fazer.
Então, sigo. Porque seguir é o que move. Seguir, nem que seja para mudar o ponto que minha visão, hoje sem alcance, alcança.
Tô Alice diminuta lendo: "beba-me", aí eu cresço, aí não caibo, aí como e me diminuo. Qual o tamanho ideal para cair no buraco das maravilhas, dona Alice? Você nos ensinou?
Onde caber na sobrecarga?
Mesmo quando parece que o que escrevi é “bobo”, ou quando o texto “ficou ok”, é na prática da persistência que seguimos nos encontrando. Micro passos não são sobre ir até lugar nenhum: é só para ver outra coisa.
Por isso insisto em lembrar que a linha de chegada é espiral. e sem chegada. e nem é linha. É dança?
E tô aqui, mais uma semana, buscando essa outra coisa. Fazendo meu corpo cheio de tosse seca se movimentar, tentando voltar ao ritmo da dança, mesmo quando acaba a música que a gente gosta.

✦ Vendaval emocional ✦
O que ando vivendo também é conhecido por muitos de vocês: o surto da crise de um ano. Tô nomeando assim por agora, por falta de nome melhor.
O SOA completou aniversário, (hihuu parabéns, hihuu!), mas estou na crise da falta de um sistema de apoio contínuo do depois. Aniversários são rituais carregados de dramas e celebrações. E o que eu ando vivendo é um surto comum entre quem cria e celebra as etapas: faz um ano que sigo com esse projeto, e agora (e sempre) me pego na crise do “e depois?”.
Às vezes amortizo a crise sem depois mesmo; outras vezes, dá trava. Travamos. E choramos. E seguimos.
Onde estará o sistema de apoio contínuo? As parcerias que, quando o bolo crescer, vão comer o bolo com a gente?
Me cobro. Me reinvento. Crio sessões. Apago sessões. Fico numa sementeira de ideias e imaginações; adubando, revirando terra, matando as pragas, comprando ferramenta, achando que sempre falta alguma escavadeira que não sou capaz de ter.
A trava foi no espaço público. Meu corpo cansado, correndo, como em estado de inflamação. Não parei de ler, ver filmes de referência, estudar, estudar. Reuniões, reuniões. Algumas canceladas. Não dá.
Teve uma segunda-feira que percebi que marquei seis reuniões com temas diferentes. E entre elas tem o estudo, o preparo; só aí, no mínimo, doze horas de trabalho.
Eu não faço mais cinema, cacetaaa! Por que voltar à lógica da alta produtividade e da taxa de esforço? Por que agora não tenho nem mais uma equipe para chamar de minha, que ajude a rir, a chorar, a realizar?
Fico exausta e sem dinheiro. Mal remunerada e exausta. Sabem essa sensação? Conhecem? ;)
Os ciclos precisam seguir e mudar ao mesmo tempo. Eis o dilema dos criadores: fazer o mesmo; só que diferente.
O desejo é real: erguer uma estrutura. Mas que não me destrua. Esse papo de ser CEO de si é a pior desgraça geracional do empreendedor de seus sonhos.

Meu tom confessional é, sim, para seguir incentivando outros artistas. Porque sei que a burocracia vem. E que a dúvida também vem. Sempre. E o medo? É o que faz o sangue circular.
Como disse ontem a um artista: fazer orçamento, planilha; a etapa do “como se faz mesmo”; acredite, é a parte fácil.
O difícil é não desistir da ideia, segurá-la sozinha quando desmontar for preciso. E seguir, mesmo achando que não servimos pra nada.
A criação provoca. Remexe águas profundas. E alguns passos e guias nos protegem do resfriado depois de tanto vento de furacão na cara.
✦ Precisei de descanso, mas não descansei ✦
Ando com tosse, corpo cansado, resfriada. Já fazem mais de quinze dias em que, quando melhora uma coisa, piora outra. A noite de ontem, sentada no chão tentando evitar tossir, me deixou não só com o pescoço travado, mas sem o descanso que recupera.
É como se eu estivesse debaixo de chuva há dias; nesse barco atravessando o oceano, mareada, enjoada, sonhando com uma roupa seca, um banho quente, mas sem coragem de caminhar até uma cama de lençol limpo, um edredom quente. Por quê?

Medo. Quem já viveu uma depressão entende: qualquer pausa acende todos os alarmes internos. Descansar se torna um risco. E trabalhar um termômetro de saúde social em uma cobrança sem fim.
Porque, na verdade, é isso: cansaço de estar de roupa molhada. Quem me tira da chuva? Ainda não chegou esse sol de verão a pino que queima e frita as ideias. O que eu quero é o espaço vazio. O branco. A tela com nada. A caminha feita, pronta para ser desfeita; que permita olhar, respirar, aconchegar. Roupa seca com cheiro de amaciante de bebê.
Conectar com alguma coisa diferente, mas que, embora diferente, mora dentro de mim. Me dei, sem querer me dar, mais essas duas semanas. Queria dizer que foram ótimas... só que não.
As dúvidas vêm em ondas. Molham, se afastam, molham de novo, até que você está lá, esperando o transbordar. A gente fica na beira do mar, olhando, como uma surfista sem prancha que sabe que a paciência é respeitar o ritmo sequencial; porque acalmará. E o mergulho profundo virá.
Ficar ali na beirinha tomando cachote é ótimo, mas não quando não escolhemos. O que eu vou tentar é usar o caldo para pular as ondinhas. Distanciar para parecer menor. Reiniciar o ritual de ano novo. Agarrar as incertezas novamente.

✦ O espaço do entre ✦
Dizem que a arte acontece no entre.
Entre você e o tema. A ideia. A técnica. A dor.
Mas confesso: não tenho sentido esse entre.
Tenho sentido um emparedamento, mental, emocional, social. Aceitando reuniões demais. Dizendo sim demais. Como se o silêncio fosse uma ameaça existencial. Como se parar fosse igual a estar à deriva.
Criei vários tipos de botes salva-vidas (e contas bancárias), achando que era proteção. Mas virei prisioneira da sobrevivência. Dos apps dos bancos, das notificações de cotações. A pergunta é: por que seguimos mergulhadas sem o cilindro de oxigênio? Que teste de apneia maluco é esse? Uma hora vai afundar.
A coragem de dizer não é o que temos quando perdemos a ilusão de que é dizendo sim que as portas que queremos se abrirão. A grande ilusão é pensar que aceitar qualquer coisa, qualquer emprego, nos protege da escassez.
A sociedade e a vida nos acumulam de traumas e de maneiras instantâneas de dar respostas. E as minhas respostas automáticas às situações não são apenas ter facas na ponta da língua. São também aceitar reuniões desenfreadas, achar que preciso estar constantemente conhecendo gente nova, lendo tudo, vendo jornal, vendo documentário.

É uma FOMO de existência. Como se, se eu ficar quieta, sozinha, em silêncio e em paz, fazendo o que eu realmente quero, fosse morrer de fome e definhar sem dinheiro.
Mas essa não é a minha arte. Não é meu desejo. Não é o que eu quero. A gente não sabe se está no começo, no meio ou no fim. A gente está por aqui. No tudo que temos.
Querendo espaço para criar; uma residência de mim mesma.
E obrigada por quem segue comentando, enviando e-mail, sentindo falta, dando like. Tem motor na troca coletiva.
Meu maior medo? Claro: a precariedade.
E, sendo imigrante, ainda mais.
Abrir mão de trabalho fixo é um salto no escuro.
Sempre ouço: “Nossa, que coragem! Que sonho! Que bom que está aí, seguindo com o SOA.” Mas não é assim que funciona.
A coragem, pra mim, é outra coisa:
A coragem é saber o que se quer, mesmo quando a gente se arrepende e volta atrás.
Porque mesmo quando a gente ainda está aprendendo, já é trabalho. Já tem valor. Já merece ser nomeado como tal. Logo, ser valorizado financeiramente.
Valorizar o próprio trabalho, estudar, dizer não, listar com o mesmo cuidado tudo que deu certo, assim como tudo que achamos de errado — tudo isso é treino. E é também poesia.
✦
“Artistas não saem do lugar até que a dor de trabalhar seja ultrapassada pela dor de não trabalhar.”
Stephen De Staebler (citação rabiscada no livro Arte e medo)
✦
persistir | sobreviver | aprender a não desistir
fazer arte é acima de tudo, sempre, sempre: recomeçar
Que essa semana você escolha piscinas, riachos, mares onde caiba por inteiro.
Ou, quem sabe, um transatlântico que te comporte no navegar.
✦ Uma carta para quem também está cansando
Se você também está aí, exaustx, confusx, sem saber se é o começo, o meio ou o fim do projeto… eu só queria dizer que: você está por aqui. E, mesmo em crise, seguimos juntos.
No mais, obrigada por me lerem e chegarem até aqui.
Aceito sugestões, inspirações e divagâncias coletivas.
Dúvida:
Eu tirei, nas últimas semanas, as chamadas dos editais e fundos organizadas por ordem cronológica aqui do Substack. Vocês notaram? Querem que volte? Ou ir direto lá no bento.me + Instagram ajuda vocês a saberem melhor sobre as chamadas?
Bem, eu achei que sim — ninguém reclamou. Tô seguindo. ;)
Com carinho e energia,
Chaiana Furtado 💜
Beijos de #FocanaLuz ✨
🏹 #SeInspiraArtista
Artista da semana: SHAWN HUCKINS
Descobri o trabalho do Shawn Huckins através da newsletter da SEIVA — que sai diariamente e que recomendo muito. (Sonho meu fazer essa publi pra Seiva... mas no caso sou só fã mesmo, então valorizem a dica, haha.)
A série Zippers Short and Skinny mergulha na questão da masculinidade e seus estereótipos culturais. Misturando pinturas históricas, tecidos e referências familiares (como o bordado aprendido com sua avó), ele tensiona as normas e cria um espaço para repensarmos força, sensibilidade e justiça social.
📚 Livros da semana (em cima da mesa)
Esses livros chegaram até mim pela Seiva também e foram o motivo de eu assinar a newsletter. Aqui vão os três que estão abertos do lado do computador:
Como criar histórias, um guia de escrita por Ursula K. Le Guin
Como ser artista, dicas de um dos mais respeitados críticos de arte
Arte e medo, um clássico underground sobre o ato de criar
📌 Mais livros? Sempre atualizo o pinterest e meu instagram pessoal ;)
☂️ S.O.S da semana:
🔸 O que me ajudou a continuar:
Pode ser um áudio, um post, uma conversa, um trecho de podcast. Essa semana, foi algo que escrevi para cá e virou um novo post-it na parede:
✏️ “
Querida Chaiana, a coragem de dizer não vem quando a gente perde a ilusão de que aceitar tudo vai nos salvar.”
✅ Funciona pra mim: colocar desenhos, frases, fotos, recortes por trás do computador, coladinhos na parede - o caos dentro virar caos fora.
💥Oficina Estado Bruto – Nova Turma em Breve!
Está preparada para dar vida às suas ideias? A segunda turma da nossa oficina “Estado Bruto: da Faísca da Ideia ao Movimento de Criação” vem aí!
👉 Inscreva-se na lista de espera da Turma 02
🔔 Já apoiou um artista independente hoje? 🤍
Se você gostou da newsletter, considere apoiar este projeto para que ele continue gratuito, acessível e potente para mais artistas e criadores.
✨ Como você pode ajudar:
Assinar o Substack pago (5€ ou R$15 por mês).
Curtir, comentar e compartilhar nossos conteúdos.
Seguir, comentar e dar 🌟 no Spotify
Cada ação fortalece essa rede criativa que estamos tecendo juntes.
💌 Carta-convite:
Este espaço é nosso! Deixe perguntas, comentários ou sugestões.
Vamos nos falar, nos organizar e aprender juntes.
🔮 Se Organiza, Artista meu!
Monte sua agenda de interesses e prepare-se com calma, fé e sem desistir.
Todas as chamadas, editais e recursos estão aqui:
👉 https://bento.me/seorganizaartista
Share this post