Essa carta é um verdadeiro manifesto à coragem de sonhar, pois é claro que eu tinha uma newsletter inteira já escrita, e aí chegou a Fernanda Towers, acabando com meu (nosso) coração, fazendo um país (e espero que toda a lusofonia e não só ela) voltar a sonhar — fazendo o grupo de WhatsApp virar um bando de mensagens de drama, de saudade, de parabéns para os amigos que fizeram o filme, e, em outros grupos, os amigos questionando o valor do prêmio e, claro, dos bilionários envolvidos na produção do filme, literalmente donos de banco. Esse misto que carregamos de orgulho nacional x, porra, tinha que ser de novo filme do Walter Salles, mas, né, isso é para outro momento — hoje é só emoção e celebração nesse climão de campeã de Copa do Mundo!
Mas enfim, ninguém tá nem aí para o Neymar se formos campeões da Copa do Mundo (mentira, estamos assim, esse homem me dá vontade de vomitar só de lembrar da cara dele), mas há de se lembrar que é sobre time — ele não está sozinho — tem tanta gente num filme, num time, numa equipe. Mas, tentando não enlouquecer, porque muito já foi dito, muito se dirá sobre o feito de uma atriz lusófona, brasileira, bem longe dos padrões hollywoodianos, encarar a máquina americana (do norte da américa) e o quanto isso abre o caminho para a gente, além de tudo, sonhar. Sim, me ouviram: VAMOS SONHAR!
A carta dessa semana já era uma das mais otimistas que escrevi por aqui. E sonhar é um processo de coragem, então vou manter minha esperança lá no alto, porque esses marcos históricos são capazes de nos dar — as medalhas, os troféus, os reconhecimentos coletivos servem a isso, à capacidade de reinventar imaginários onde nos diziam: 'ganhar da Nicole Kidman, piada, né?' Só de estar lá já era para comemorar, e era, e foi, e Fernanda comemorou, veio compartilhando com a gente, mas veio mais. Às vezes, temos isso com nossa Rebeca Andrade x Simone Biles. Esses momentos de celebração totalmente drogados, pois, inesperados. O ir além desses marcos que dissolvem o imaginário de que falar português e ganhar um Globo de Ouro seria impossível foi quebrado, e sobre romper as correntes é que o sonhar existe - persiste, resiste!
Eu acordei chorando muito vendo esse momento, não foi chorando pouco, eu disse muito. Impressionante — tudo — memes, entrevistas, que emoção. 'A vida vale.' 'Totalmente premiada.' Porque desperta, relembra, trabalhar, sonhar: é arte, porra!
Narrativas que temos que acreditar para seguir criando outras.
E vou deixar isso guardadinho na história como um ato de fé, lembrando as atrizes que não falam inglês, que a arte é importante. Chegar lá, sim, ter prêmio e sucesso, mas num país onde a maioria ainda diz que a ditadura não existiu, ter sido reconhecida num além-mar, uma atriz celebrada todo por seus papéis de comédia, com uma carreira de televisão, interpretando e honrando a história de uma mulher real que sofreu pela ditadura militar — é foda demais e eu tô elétrica. Tudo o que sigo vendo, sigo chorando.
Fazer com garra e continuidade o que se acredita — foi o que a Demi Moore disse no seu discurso, e Fernanda também, não só citando sua mãe, mas falando 'que feito Walter', nem acreditando que estava ali, e eu senti uma paz em falar um inglês calmo, pensando sobre — sentir em outra língua, se expressar devagar na outra, e comunicando o que qualquer um sentiu — inesperado, mas merecido.
É MUITO MANEIRO.
Quando eu comecei a fazer cinema, nunca imaginei que o cinema que eu, ou algum amigo, ou uma equipe da qual eu participaria chegaria a esses grandes prêmios mundiais — e cá estamos com meus 'iguais' lá - no não imaginado, porém sonhado e realizado. Parte da equipe inteira que construiu essa história sou eu. E eu to feliz por eles, to feliz por nós, pelo cinema, pelo cinema nacional. Por essas mais de 200 humanos não bilionários que ajudaram a narrar em arte cinematográfica. Ao motorista pontual que estava com o carro limpo e banho tomado na porta da casa dela, honrado seu trabalho de forma dinamica, segura e coletiva. O bilionário precisou de nós para contar essa história, porque ele também sabe que nada é feito sozinho. E não fez. Arte não se faz sozinho. Nada se faz sozinho. O sucesso é coletivo. Amamos os agradecimentos de livros, lista d e créditos no fim do filme e discursos de prêmios e medalhas. Então, qual coletivo você vai agradecer quando ensaiar teu discurso?
Nossa nepobaby favorita teve que superar o complexo de Narciso e sei lá mais o que de Édipo, crescendo a imagem da própria Fernando na, sua mãe, única indicada ao Oscar de Melhor Atriz Brasileira, e não desistir da própria carreira sendo comparada à mãe em cada entrevista. Elas tem o mesmo nome galera! Que loucura esse feito da Fernandinha diante da Dona Fernandona. Ela pegou isso e, por favor, quero o telefone dessa terapeuta da Towers para poder dar o famoso 'pulo do gato' de pegar o que tem de incrível na nossa mãe, honrar e seguir seu caminho — as mães que abrem espaço. Mais um é possível minha genty!
Mãe e filha tornam todo esse atravessamento ainda mais ambicioso. É possível atravessar essa linha do equador, como ela disse nessa entrevista que me fez chorar o quê? De novo.
Cinema é o meu futebol. Embora eu ame futebol, há algo na magia do cinema — do processo — da temporada de premiações que pega mais em mim - do assistir o Oscar em conjunto com meus amores, falar barbaridades dessa coisa perto e longe que sempre foi fazer cinema do outro lado da linha imaginária que nos divide.
O sonho não é apenas uma possibilidade, mas uma necessidade.
É uma loucura sentir o peso de uma comemoração que a gente se une para ver futebol por isso: para torcer por algo em comum que nos identifique em nossas lutas. E é bom ter esse algo comum sendo o cinema.
Eu não mudei o nome da carta da semana, porque, embora Fernanda tenha atravessado o caminho, o que me guiou ainda é o mesmo termo: a fé. E se acharem que estou positiva demais, leem ou escutem os outros episódios que logo passa - mas acho que essa jornada começou lá na carta #SOA_014 | eu acredito em mim
Com essa fé, hoje voltei a organizar minha própria DGA rtes — não só as que sou paga para escrever e dar consultoria aos outros. Tô completamente apavorada de escrever pela primeira vez um projeto só meu, onde a responsabilidade e a ideia sejam minhas. Vou ser avaliada pelo o outro e por mim. Eu nunca fiz. Sempre fiz em equipe e compartilhado. Mas o Se Organiza, Artista!, embora feito para fora, é muito sobre meu desejo de dentro. Sonho em ter equipe, mais estrutura e, claro, conseguir dinheiro. Logo, comecei a estruturar (tarde) a DGArtes e, pensando bem, vou acabar me envolvendo em quase 6 candidaturas, mas deveria de alguma forma equilibrar as forças e pensar na minha própria.
É preciso renovar as forças para acreditar em si. Estava pessoalmente precisada desse ato de fé, com tantos sonhos, metas e compromissos que estou emaranhada com essa vontade de vida sobressaltada.
Que pequeninas atrizes treinem no chuveiro com o pote de shampoo seus futuros discursos no Golden Globe e tenham referência de alguém que fale a língua delas ganhando um prêmio como esse.
Queremos mais, reclamamos muito, temos consciência de classe, mas é hora de parar de colocar defeito e aceitar nossas vitórias é mais do que agarrar o caramelo; nosso vira-lata, como símbolo nacional é relembrar internamente o nosso maior medo: que nossos sonhos podem se tornar realidade.
Que não tenhamos medo do sucesso e nem esperemos o fracasso como consolo nas nossas narrativas.
Nos labirintos das histórias compartilhadas, sempre há histórias possíveis capazes de nos inspirar, que alguns caminhos, embora não 100% traçados, já foram percorridos por outros, jogando sementinhas antes.
Mas por aqui, o sentimento é sobre, sim, quero ser positiva neste início de ano — não quero recomeço todo dia, não, estou cansada. Quero atrizes com mais de 40 anos de carreira, nos seus 50+, me inspirando a seguir. Quero todas as biografias que celebrem o não etarismo e a continuidade como inspiração. Quero 20 minutos de exercício todo dia, seja melhor que 2 horas, 2 vezes por semana (inventei, sim, mas é o que quero).
Assim, termino com o que começava a outra carta que ficou só em restos e que tem dois processos sobre trabalho que me atravessam neste início de ano: o recomeço do ano e a necessidade de renovar a confiança em mim, nas minhas escolhas e no meu trabalho.
Constantemente, somos lembrados do recomeço como marcos temporais, e o 'decretar recomeço todos os dias' tem um quê também de maldoso àqueles que, como eu, vivem de processo. Há de se acreditar que um cadinho todo dia é essencial para não estarmos o tempo todo recomeçando.
Assim, ciclo de carta 20ª — ciclo da primeira carta de 2025 — estamos nós, acreditando na esperança renovada e na ansiedade de, por favor, que não tenha jogado tudo que fiz até aqui fora, porque tenho tomado decisões de mudanças estarrecedoras aos mais racionais dos empresários.
No mundo dos editais e financiamentos, onde dependemos da avaliação e dos prêmios que os outros nos dão, recursos é jogar o jogo — saber qual jogo é esse no qual você se inscreveu para participar. As regras são claras?
Torres , numa entrevista, disse da corrida do Oscar e da campanha do filme como um trabalho tão exaustivo que não achava que daria conta.
Quer entrar em campo? Vamos descobrir quais são as regras. Eu fico participando de webinars sobre como escrever projeto na fase 1 por aqui, mesmo tendo 17 anos que escrevo e desenvolvo projetos por leis, mas bem, outro país, outro mundo, outra dinâmica. Acreditar que podemos aprender outras regras para jogar o mesmo jogo.
A capacidade de percepção dessa interdependência não pode nos deixar duvidar do nosso projeto, só ainda que é isso: partidas, o campeonato é mundial. Tem dinheiro para as artes de vários caminhos e formas. A regra clara é: ir, tentar, sonhar.
Se imaginamos espaços onde dependemos de políticas públicas, uma sociedade onde caiba todo mundo, é claro, é a utopia. Mas é onde as artes, como ferramenta de transformação social, têm que se aliar. E nós, estamos com a alma lavada e a fé renovada.
Sonhar é ouro
Em um mundo de injustiça, ser constantemente avaliado pelo outro é uma das grandes cagadas de quem é artista. Não é como um corredor, que treina, treina, e corre, e, se treinar, chegará lá — nada no teu trabalho como criativo te garantirá que você chegará lá, nem onde é esse lá. No campo das artes, o jogo nunca é fácil, mas se você não entra em campo, nunca saberá até onde pode chegar. Então, quem somos nós para ousar sonhar, no caso, não sonhar?
Nós somos aqueles que, de fato, podem transformar o mundo. Sim, nós os artistas.
Entre o privilégio e a resistência, sonhar e seguir é batalha e luta. Quando sentamos e compartilhamos, em coletivo, o sonho de parir nosso projeto, saiba: estamos resistindo. Não aceitamos o mundo como ele se oferece por completo, sabemos que, nos organizando, podemos desorganizar. O esforço de criar esses imaginários espero que seja o que te faz vir aqui me ler, catar os links dos editais, ir atrás das oficinas e tentar chegar da faísca à ação.
Meu trabalho como produtora é justamente dar corpo à abstração dos que me acompanham. Quando eu fico abstraindo demais, acabo por me perder. Quem me ajuda a dar contorno? Como eu volto desse labirinto? Não dá o tempo inteiro para ser produtora de mim mesma — dependo. Trabalhar sozinha é muito ruim.
Juntar os nossos, colocar debaixo da asa e ir voar no galinheiro onde nossos ovinhos dourados possam ser chocados por nós, entregar nosso ouro de bandeja, nunca foi opcional.
No mais vamos aplaudir Fernanda Torres de pé: “Bravo Fernanda, bravo! “Realmente a vida presta!”
Até semana que vem!
Com carinho e energia,
Chaiana Furtado 💜
Beijos de #FocanaLuz ✨
📍 As referências sobre o feito que me emocionaram:
Carta para Fernanda Torres: um Oscar pela democracia de Jamil Chade
Entrevista da mãe parte 1
Entrevista da mãe parte 2
Montagem dela falando que fizeram genial - obrigada aos criadores de documentação e montagem para internet.
ps: viva os memes!
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