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#SOA_024 | o que eu aprendi?
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#SOA_024 | o que eu aprendi?

nada - esse tipo de troca é além do que se vê.
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Vida pessoal e trabalho: precisam se separar

Era essa a frase solta em um rascunho – a única. Hoje, saí da terapia no meio do caos e falei: "Meu Deus! Hoje é segunda, e, pela primeira vez, não adiantei um rascunho, não fui escrevendo e pensando sobre o tema ao longo da semana." E ela me disse: "Ué, então não escreva nada. Fale que você está cansada, cansada de se sentir mais dando do que recebendo. Abra espaço para receber: diga apenas – hoje não consegui, mas se eu tivesse escrito, o que vocês gostariam de ler esta semana?" Deixar o outro falar o que ele quer também.

Mas e a rede de apoio, como ela se sustenta assim? Como quase tudo que escutamos na terapia, na hora eu rejeitei e pensei: "Não, não dá para fazer isso. Um monte de gente nova chegou esta semana. E eu vou fazer isso? Entregar nada?"

Aí, vim, escrevi, escrevi, escrevi até ter dor de cabeça. Tinha uma consultoria marcada hoje, de duas horas, com um artista. Era a primeira vez dele. Pela urgência que ele me pediu, abri um espaço na agenda, estudei o trabalho dele, me preparei. Mandei o link: nada. Ele me deu um nada. Não apareceu. E, claro, isso abriu espaço para, mais uma vez, pensar em mim. Porque, quando essas coisas acontecem, vem o sentimento de: "O que eu fiz de errado para esse ser humano marcar comigo e não aparecer?" E eu aqui, boba – querendo não entregar um nada para as pessoas que me leem, que eu inventei que me leem.

georgia o'keeffe charcoal drawings 1915

O sentimento de levar um ghosting não deveria ser aplicado na nossa vida profissional, mas é. E, como podem reparar no tamanho do texto… pois é: o nada, dessa vez, não chegou do meu lado, só do outro. Nenhuma novidade. Tomei meu Tylenol, bolsinha de água quente, chá, e sigo com dor de cabeça, mas eu volto. Não é só quebrar a promessa com o outro de estar aqui dando – é sobre a promessa que eu fiz a mim mesma. O outro faz isso. Eu já fiz. Eu não quero mais. Eu disse a mim que, seja como for, às terças eu estaria aqui, mergulhada e refletindo no processo criativo.

E o processo criativo também tem isso sempre: dor de cabeça, anseios, enjoos, vontade de não vivê-lo. E, da maneira que eu consigo, quero melhorar e evoluir na ferramenta de escrever. Eu, eu mesma, as promessas que eu inventei e cumpro religiosamente há 24 semanas seguidas. Eu vim escrever.

Meu cabelo não para de crescer

O concurso da DGARTES chegou como um grande tsunami. Foi previsto, teve o terremoto antes avisando que essa onda chegaria. Incentivo todo mundo a escrever, e depois a onda vem em cima de mim. Por que me sinto me afogando? No meio disso, só consegui, esses dias, me olhar no espelho e ver o tempo passando: meu cabelo está enorme! Quando vou cortar? Caramba! A primeira coisa, quando acabar a DGARTES, vai ser cortar esse cabelo!

Mas hoje eu acordei e me vi: linda. Que gata! Que cabelo enorme. Diferente. Estou diferente: meu cabelo cresceu.

georgia o'keeffe charcoal drawings 1915

O ditado que já escrevi por aqui, que mamãe me dizia: "Filha, o cabelo não cresce mais rápido se a gente puxar ele." Mas eu sempre puxava. Tinha a simpatia de ver uma grávida: puxar o cabelo três vezes fazia o cabelo crescer mais rápido. Reparar na lua. Tudo esperando que o tempo das coisas fosse diferente, controlado. Vitaminas, alimentação, água: cabelo crescendo. Tempo.

Mas, no meio do afogamento dos editais – e eu adoraria que fosse só sobre isso esta última semana – eu consegui reparar em mim. O novo não é o caos. O novo é estar, mesmo assim, consciente de mim.

Consciência de processo não te ausenta de sentir todos eles: trouxa, culpada e burra. Veja você. Vou te dar a lista:

A dona do meu ex-apartamento – a tal “senhoria” – agora cai no golpe do: não vou devolver seu caução, e cá estou: advogadas e sentimento de trouxa. (Crianças que, como eu, fingem ser adultas e alugam casa sozinhas: lembrem-se de usar o caução morando. Aparentemente, em Portugal, o golpe do caução é corriqueiro, comum, um grande: “Ora, você já deveria saber sobre isso, menina.”)

Marcação atrasada de exames de acompanhamentos importantes = culpa. “Como você não colocou sua saúde em primeiro lugar, menina?”

Não consegui cancelar o serviço de internet – tô pagando inutilmente = burra. “Nossa, mas é tão simples ir lá e falar com eles.” Não, querido, não é. Você vai lá por mim?

Mas o foco deveria ser: o tempo dos prazos. O lado bom de edital é que tem prazo. Acaba! Quero me apegar nesse suspiro de esperança chamado março. Hoje eu fico assim: seja como for, dia 27 de fevereiro o edital acabou. Mesmo que venha outro, esse acabou. Então – o edital acaba e o projeto continua. É o que eu vendo e é no que eu acredito: uma vez que você organiza sua ideia, ela fica.

Mas meu projeto do SOA é tão enorme em mim que me afoga e, além disso, sinto que, fora eu, tem o outro. E como eu deixo os outros, com seus anseios particulares, me invadirem com as suas ideias? Dessa vez – no meio de repetições de estratégias – eu recebi muitos áudios aleatórios: 5 min, 6 min, de amigos. Essa semana, recebi um áudio de 15 minutos que não dá, não se pode. Não vou mais ouvir. Porque eu cobro por isso. Dar “conselho” é consultoria e eu estudo que nem uma cachorra para poder fazer isso. Como assim acha razoável esse nível de intromissão na vida do outro e cobrar respostas? Principalmente no nível de assunto: trabalho.

E, no meio dos cortes – quando minha ex-senhoria me ligou xingando e gritando – acendeu um alerta enorme de: OPA! Eu não preciso passar por isso. E falei para ela e para mim: eu não preciso te escutar, agora você vai falar com meus advogados. Me sinto linda, na novela, com essa frase maravilhosa. É necessário o corte. Isso, meu amor, se você for a próxima a me mandar áudio de 15 minutos, não manda. Por gentileza. Só se tiver agendado o horário.

georgia o'keeffe charcoal drawings 1915

O Peso de Dar Sem Receber

O esgotamento de oferecer tanto, tanto no trabalho quanto nas relações pessoais, e nunca ser bom o suficiente é o peso de escrever projetos também: dar, dar, dar e ser avaliado por isso. Que merda. Mas a primeira avaliação é a pior de todas: a nossa! Nunca achamos que está bom.

Toda semana aqui, mais tudo que eu publico e estudo do SOA, é grátis. Talvez não devesse ser. Deveria contar mais com a rede de suporte que quero construir, para me dar apoio financeiro ou, no mínimo, obrigar todo mundo a republicar, encaminhar, dar as estrelinhas, sei lá… movimentar o que se gosta. Me indicar. Valorizar meu trabalho é o que espero.

Porque o que dói é que, sim, meu trabalho é valorizado e eu sei disso. Porque me pedem tanto. Quando me pedem, me escutam e seguem meus conselhos. Eu vejo minha capacidade de colocar projetos em movimento e com muita força. Faço, às vezes, o que dizem ser amizade e eu chamo de expertise de trabalho, que é te dar – te dar – a autoconfiança que você precisa até ela ser suficiente para você seguir em frente.

E foi esse o motivo de criar a carta da semana dentro do projeto: porque eu fazia isso individualmente e percebi que poderia, com muita honestidade e toda a dor que é tacar um projeto a ferro e fogo no mundo, ajudar quem quisesse a dar aquele empurrão no precipício.

Eu dou, dou, dou. Todo o resto é incômodo. E o pior, eu juro, não é só a mescla da amizade, que é difícil, que mistura sempre trabalho, apoio e relacionamento. Porque, às vezes, é extremamente prazeroso. Mas são os não-amigos! Porque, pqp, o famoso "Como você pode cobrar se, quando o projeto ganhar, esse incrível projeto que eu tô fazendo, você vai fazer parte?"

Pois bem, mentira. Não vou fazer parte do seu projeto. Você sabe, eu sei, sabemos. Mas quero dar, sim, esse empurrão para sua ideia ganhar o mundo. Mas não é qualquer ideia, não. Porque eu busco mesmo as que doem, as que saem com prazer, mas com sangue. Eu não acredito de outra maneira. São as que são inomináveis, que saem sem censura. Se for um projeto para só ganhar dinheiro, pode até ser. Mas aí essa pessoa não sou eu, nem é meu nicho de humanos com quem eu trabalho.

Eu quero ganhar dinheiro também, porque nosso impossível de si tem valor. E valor, hoje, é também dinheiro. Mas não só.

georgia o'keeffe charcoal drawings 1915

Os acalantos das Andanças

Nesses encontros, há acalantos nas andanças. Eu tinha o link de uma cineasta amiga que estava para ser visto. E me vi atravessada por camadas que nem sabia que estavam abertas quando me dei esse encontro de presente. Hoje, escrevi para ela:

"Eu vi. Chorei. Parei de ver. Aí, ontem, fui ver de novo. Tentei retomar de onde tinha parado, não consegui. Assisti tudo e não foi de novo. Só chorei de novo. Tem muita coisa ali sua que não deveria ser nossa, mas é. E deve ser esse o mistério mesmo de ser artista – fazer da tua cicatriz uma arte de cruzamento."

O bom de estar perto dos processos criativos de amigos e parceiros de trabalho é perceber que parir não é fácil para ninguém. Não é só sobre o resultado final, mas sobre o que nos atravessa no caminho. Entre as dores da vida e as demandas que nos sufocam, a arte é o que nos mantém vivos. E espero que seja também o que nos mantenha unidos, para seguir criando, porque é isso que somos: esperançar enquanto recosturamos constantemente nossas cicatrizes. Eu acredito que cicatriz expandida é arte. É a união que faz isso, não esse processo solitário que nos fizeram acreditar.

Depois de ver esse filme, assisti Andança – Os Encontros e as Memórias de Beth Carvalho – e aí travou em mais derramamento de choro: mais cicatriz do outro exposta dentro de mim. Não só o samba, Ramos, onde eu nasci, os fundos dos meus quintais, mas ver ela deitada, dando o último show, foi lembrar que o sonho da aposentadoria não existe, mesmo quando a gente faz arte. Não existe. Artista não se aposenta. Essa separação entre vida pessoal e trabalho é uma ilusão tão grande… eu estou perdendo essa ilusão. Não aprendi nada mesmo.

O tempo que eu achava que tinha… Ver Beth Carvalho ali, sabendo da missão dela na vida, que ela só se expandiu, com o corpo se esvaindo e a mente intacta, e a voz ativa. Fernanda Montenegro, 95 anos… aposentadoria é ilusão. E eu achando que um dia ia me aposentar. Doces ilusões.


Não Se Abandone no Processo

Nos cruzamentos dos filmes, dos áudios, a advogada me ensina mais que meus direitos sobre o cheque caução – como sabem, né? – cobrar bem pelos serviços que oferecem. Quero pagar porque quero aprender também a cobrar.

Minha DGARTES também está cheia de problemas, medos e questões. Claro que tenho uma bagagem enorme sobre isso e sou uma ótima profissional, mas agora estou gestando. E quero ter os “privilégios” de toda gestante: o desequilíbrio hormonal, de humor, os medos. O bebê que nasce aqui toda semana nem sempre é bonito, nem sempre é bem alimentado, mas é meu. E ver ele vivo, mesmo quando senhorias e advogadas parecem entrar nesse meio de campo e querer afogar meus sonhos, eu tô atenta, tô aqui.

Seguimos atentas lembrando o animal que somos: água, comida, descanso, lugar seguro e amor. Depois, os editais. Como eu digo, eles são cíclicos. O que não pode se repetir é o abandono de nós mesmas, o sentimento de injustiça que nutrimos e essa culpa doentia que tem que parar de ser assombração.

Os editais são cíclicos, eu vou lembrar disso, mas o abandono de si mesma não pode ser recorrente.

Preciso abrir espaço para receber um pouco também. Inclusive de mim mesma. Porque, no final, o que importa é manter a arte – e a gente mesmo – vivos e pulsantes. Nada é pior do que a dor de querer gestar algo dentro da gente que nem compreendemos ainda e talvez nunca tenha nome – e a isso chamamos de arte.

Porque hoje é isso: amigos e não amigos. Não consigo mais, essa semana, dar nada de graça, porque está me custando muito. Entre o dar e o receber, existe um espaço que precisa ser respeitado: o seu e, aqui, o meu. O processo é tão gigante que sempre é sobre: parabéns, seja como for, você fez. Esse filme é seu, essa newsletter é minha, esse projeto é teu: assuma-o.

Repito meu auto-lembrete de forma coletiva: Preciso abrir espaço para receber um pouco também. Inclusive de mim mesma.

Com carinho e energia,
Chaiana Furtado 💜
#FocaNaLuz ✨

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  • Foi o documentário Andança que citei anteriormente.

    E foi esse post incrível, com a troca de cartas entre as artistas Yayoi Kusama e Georgia O'Keeffe, que me inspirou e me lembrou do porquê a troca é tão importante para seguir acreditando e escrevendo mais essa semana. Troquem mensagens, desesperos, inspirações - que sejam trocas ;)

    As obras que compartilho hoje são todas da Georgia O’Keeffe. 🎨✨

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