A gente se perde, né?
A gente se perde com uma facilidade que eu nem sei se algum dia a gente se encontra de novo. A frase que eu mais falei essa semana foi: "Como eu cheguei aqui de novo?"
Como eu cheguei aqui de novo, com tanta rapidez, com tanta facilidade... como eu sou rápida pra repetir os mesmos processos. Pois bem, olha eu aqui de novo, mais uma semana para a gente mergulhar junto e compartilhar essa escrita vulnerável e refletirsobre o que é ser uma produtora criativa, vivendo intensamente os altos e baixos dos processos artísticos. Aqui, eu misturo minhas experiências pessoais com essa loucura deliciosa – mas nem sempre fácil – de viver de arte, enquanto tento entender também como podemos viver para a arte.
Esse é um espaço de construção.
De construção lenta, pouco a pouco. Uma evolução coletiva e contínua, voltada para a criação de novos imaginários.
Hoje é dia 25 de fevereiro de 2025... E eu vou ler pra vocês... Opa! Não, corta! Tá errado! Não vou ler nada pra vocês! Dessa vez estou fazendo o contrário: primeiro eu falo, e depois escrevo com carinho a nossa newsletter. Se gostar, por favor, compartilhe com alguém que precise ouvir/ler essa mensagem. Estamos começando, e é sempre bom quando nossos interesses ganham força no coletivo, e também contra os algoritmos.
Então, bora se organizar?
Pois bem, achei um post-it aqui no meio da minha lista de coisas perdidas no escritório, e nele está escrito: “Só emoção ensina.” Eu escrevo um monte de coisa aleatória em todos os cantos: no notes, nas pernas, na parede, e depois vou deixando esses achados escritos me encontrarem.
Semana passada, falei muito sobre a liberdade de quem não tem dinheiro público ou privado de investidores no projeto e sobre a necessidade de manter a liberdade de experimentação. Essa semana, a cartinha número 27 e 27 é meu número da sorte há muitos anos, e aqui estou eu, pensando que a carta é a 27... Estou gravando hoje no dia 24, mas vocês vão ouvir isso no dia 25, tudo isso na véspera do dia 26, que é o último dia da DGArtes, onde também vou me colocar como experimentação.
Quem me acompanha sabe que, de qualquer forma, estou tentando escrever o projeto "Se Organiza, Artista" e formatá-lo no quadradinho da DGArtes. E é a primeira vez que, no meio de todas as experimentações, estou aqui fazendo mais uma: primeiro, estou gravando áudio, um podcast, e depois vou transcrever isso de alguma maneira. E nunca é igual nas duas versões, nem quando escrevo primeiro e faço o roteiro da semana pensando no objetivo. Toda vez que falo, sai de um jeito diferente, e depois reescrevo em cima do que falei.
Enfim, os processos estão ganhando dimensões.
Eles não estão prontos. E essa coisa de fórmula de expert, a gente não apoia aqui. Sou a favor dos processos. Eu gosto de ler sobre processos. Sei que o processo criativo, em si, pode ser organizado, pode ter contorno, e tem cabimento.
Sou muito a favor de leitura, e para mim, o maior cabimento no processo criativo é quando a gente não se sente sozinho e quando não nos menosprezamos no próximo passo, no processo, mesmo que seja um passo a passo.
Vi uma mensagem essa semana em um grupo de WhatsApp, de uma cineasta que queria ajuda de outras cineastas, porque estava tentando desenvolver seus projetos sozinha. E como é difícil continuar a rotina quando estamos sozinhos. Acho que isso não é só sobre o projeto, é sobre acreditar em si mesmo e dar-se esse tempo e importância. No mundo de hoje, acho que é muito mais do que só sobre auto-sabotagem, enfim, algo mais que uma autoajuda, um “vamos lá, time!”
Tem todo o resto a considerar, e eu acho que a pergunta que comecei hoje é: como cheguei aqui de novo? E esse "aqui de novo" não é só sobre o atropelamento de mais um prazo de edital, me sentindo exausta. Como é que cheguei de novo, no mundo das importâncias, a colocar o trabalho em primeiro lugar? E são vários trabalhos. Estou fazendo o "Se Organiza, Artista", que é um sonho, um projeto, que é prioridade a diversão aqui. E a diversão não no sentido de achar que estou me divertindo toda semana mergulhando nos meus processos criativos e compartilhando, mas é sobre o divertimento de sonhar.
E é muito poderoso e transformador a gente se permitir ter tempo para sonhar.
Acho que um edital, principalmente em uma dimensão nacional como a DGArtes está me ajudando nisso, e não quero esquecer. É por isso que estou falando e quero deixar isso escrito. Tem uma coisa, saiu um meme da Fernanda Torres, na capa de uma revista americana, dizendo "já ganhei", como se tivesse ganhado o Óscar só por estar lá concorrendo. Tem algo disso que entendemos, a importância de atravessar a linha do Equador no sentido de relevância. Mas a gente entende que ela ainda não ganhou.
Tempo para sonhar
Não quero dizer aqui que me sinto vencedora apertando o botão de submeter amanhã esse edital, mas de alguma forma, quero aproveitar o fato que eu me dei esse tempo. Mais do que padronizar meu sonho, respondendo perguntas de apresentação, objetivos e público-alvo, me dei tempo para sonhar. Eu me dei tempo, mesmo atropelando infelizmente algumas amigas e profissionais que admiro.
Me dei tempo e coragem de compartilhar o que estava sentindo.
Algumas pessoas retornaram de forma positiva, outras negativas, e outras nem retornaram, desapareceram e foram pensar em seus próprios processos individuais. Mas várias ficaram comigo. Estão aqui, segurando minha mão, mesmo que eu desista do edital. O sonho, de alguma forma, prevaleceu.
Essa coisa de estar enlouquecida pelos prazos, com o carnaval, mudanças hormonais, e enfim, qualquer coisa que eu possa relativizar, como contas a pagar...
Mas como eu cheguei aqui de novo, tão rápido, me sentindo sem tempo e tão exausta? Dessa vez, tem uma coisinha diferente que quero valorizar, que gostaria de chamar atenção no coletivo.
A gente fica achando que a vida vai mudar radicalmente após algum prêmio, uma valorização ou reconhecimento externo do nosso sonho, que vai além do próprio desejo de ver a nossa ideia concretizada. E a gente sabe que isso é mentira. Qualquer adulto sabe que é mentira. O prêmio, ou seja o que for, aqueles 10 segundos de glória. Mas quem nasceu sem tanto privilégio sabe também que o reconhecimento de um prêmio pode facilitar os caminhos nos próximos prêmios. E, aqui, não estou falando literalmente de um Óscar na prateleira. Estou falando do que escrevi semana passada depois de um feedback negativo: "O projeto é ótimo, mas como não tem apoio, não é relevante o investimento." E voltamos à pergunta: o que vem primeiro, o ovo ou a galinha?
O primeiro dinheiro é muito difícil de conseguir. Então, quando você recebe reconhecimento, um edital que você já ganhou alguma coisa, é óbvio que ele abre muitas portas. E todos estamos em busca desse "primeiro", porque, no fundo, os primeiros editais são os primeiros passos.
Enfim, a gente tenta.
E ser vulnerável não é só sobre tentar.
Hoje, esse compromisso semanal que tenho no "Se Organiza, Artista", de vir aqui e compartilhar, de estudar regulamentos, tirar dúvidas, não é só sobre democratizar informações. É também sobre entender que o processo é vulnerável para todo mundo, e que bom que estamos nos permitindo sonhar. E não é esse lugar do “bobo”, é no lugar de afirmação: eu sou artista, eu crio coisas. Se essas coisas vão ganhar espaço e dimensão relevante no mundo: ótimo! É claro que eu quero, porém, contudo: existe! Estou aqui no meu post-it: vivendo as emoções e aprendendo com elas, com o que elas me ensinam a ter "só emoção ensina."
Eu sempre digo essa frase toda semana na abertura do podcast: "Estamos aqui compartilhando reflexões sobre a loucura deliciosa de viver DE arte enquanto tentamos viver também PARA a arte." Que loucura! Esse DE - PARA – e, de novo, caímos na cilada de achar que podemos viver na fantasia do DE arte. Mas… cadê o "a gente não quer comida, a gente quer comida, diversão e arte?"
Nas últimas semanas, fiquei pensando muito sobre o "viver para a arte": como eu faço isso? Como consigo dinheiro para manter o sonho girando? Como podemos ter parceiros para o SOA? Como fazemos para que isso aqui seja seguro, democrático, acessível e gratuito? E, no meio disso, faltou a diversão. Faltou um pouco de comida na equação. Passei a me alimentar mal, a dormir mal. As duas ou três horas de diversão vieram carregadas de culpa, como um chicote, porque eu deveria estar trabalhando mais. "Seu projeto não vai passar."
Eu me afoguei.
O "Cheguei aqui de novo" foi como me afogar, mas dessa vez de uma forma um pouco mais protegida. Talvez porque agora eu esteja mais consciente dos processos, dos compromissos e das culpas que o capitalismo nos impõe. A redoma dos padrões é quase involuntária. Então, a gente pode sonhar com mil coisas fora da caixa, várias artes, e, de repente, o que queremos mesmo é um tapete vermelho e segurar um Oscar.
Porque é comum o esmagamento desse rolo compressor, onde precisamos ser reconhecidos para sermos valorizados.
Então, quem vai valorizar o nosso tempo de sonho, que gastamos escrevendo um edital que não sabemos se vai passar ou não (ou provavelmente não vamos ganhar)? É o capitalismo. E, quando isso acontece, temos que lembrar como chegamos aqui de novo. Claro que a gente quer dinheiro, mas há outras lógicas. Quem quer viver de processo criativo? Essas ideias provavelmente giram em torno do capitalismo, mas é quando paramos para refletir sobre como chegamos até aqui que percebemos o quanto ele influencia nossas escolhas.
Claro que queremos dinheiro (como reconhecimento), mas, de vez em quando, é bom esquecer um pouco disso e focar no processo criativo. Essas ideias precisam ser capazes de abrir portas para o futuro. Não o futuro de glória e fama – mas que futuro é esse? Será que estamos falando do nosso futuro, das nossas famílias, dos nossos rabiscos?
Tenho pensado muito sobre como cheguei aqui, e a resposta que encontrei é que vim parar aqui porque tenho medo do futuro.
Medo do futuro
Tenho medo de não ter dinheiro, tenho medo das cobranças que vêm de fora, mas a maior cobrança, a que mais me afeta, vem de dentro. Sou eu quem mais me cobra, porque minha cobrança interna é de não me permitir cobrar menos do que eu realmente posso alcançar.
E, por isso, sinto que se eu me cobrar pouco, talvez não esteja me valorizando o suficiente, mas, ao mesmo tempo, se me cobrar demais, será que não estou me sobrecarregando? A escassez é algo que está sempre presente, então querer mais é o mínimo sempre.
Essa dicotomia entre querer sempre mais e nunca estar satisfeita com o que já conquistamos é um reflexo da escassez que nos é imposta o tempo todo. Para ter o mínimo, parece que precisamos nos sentir insatisfeitos o tempo inteiro. E aí vem a cobrança incessante de estar sempre produzindo, produzindo, produzindo, até quando o sonho também precisa ser produzido. E, no meio disso, estou esgotada. Com a voz cansada, estou testando essa liberdade de falar sem antes escrever, para poder aproveitar o momento.
Eu pago minhas contas, mas sou dependente de muitas coisas e pessoas, e, claro, como todos, sou dependente do reconhecimento externo. Mas, ao mesmo tempo, gostaria de ser menos dependente disso. T
alvez, da próxima vez, eu chegue nesse esgotamento mental e físico de novo, para algum prazo, para alguma data, mas que não seja tão rápido o atropelamento.
Talvez, na próxima vez, eu consiga evitar esse ritmo frenético e misturar mais elementos da vida com o processo criativo. Vivemos em um capitalismo desenfreado, onde o mercado de arte não só exige nossas roupas hipster do Pinterest, mas exige também que tenhamos mais profundidade no que geramos para o mundo. E, para isso, a maior exigência deve ser o respeito ao nosso tempo interno, ao tempo necessário para que as coisas amadureçam dentro de nós, para que nos alimentemos delas e também alimentemos outras pessoas. Nutrição.
Por fim, para quem vai finalizar o edital amanhã, boa sorte! Vou refazer tudo aqui e afirmar que sim! Somos vencedores de apertar o “submeter”, porque nos demos tempo de sonhar!
E, no final da cartinha da semana, deixo a mesma provocação de sempre: você, artista independente, quantos companheiros de jornada já apoiou hoje?
Vamos apoiar artistas independentes.
Se puder, ajude financeiramente os projetos que você gosta, não só dando like e compartilhando, mas realmente fazendo a diferença financeira. Não importa o valor – ative a opção de assinatura, siga, e diga para aquela pessoa que o sonho dela não é sozinho.
Até semana que vem! Até lá, vamos sonhando e tentando nos organizar.
Com carinho e energia,
Chaiana Furtado
#FocaNaLuz ✨
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🏹 #SeInspiraArtista
As obras que dialogaram com a carta da semana são do artista Francisco Vidal. /@francisco.vidal.777
Francisco Vidal nasceu em Lisboa, em 1978. É português, angolano e cabo-verdiano, e vive entre Luanda, Angola, e Lisboa, Portugal. Licenciado em Artes Plásticas pela Escola Superior de Artes e Design das Caldas da Rainha, fez um curso avançado em Artes Visuais na Escola de Artes Visuais Maumaus, em Lisboa.
As obras aqui selecionadas fazem parte da exposição «Still Free 44». A exposição apresenta a série de 44 pinturas (a idade do artista) realizadas sobre uma base serigráfica comum. Na série "Still Free", a serigrafia assume um território base de liberdade. Frente a uma mesma imagem, o artista reage pintando de forma livre, ousada e espontânea em cada uma delas. Nas suas palavras, “cada gesto tem uma identidade e faz com que as irmãs [as várias serigrafias] tenham um nome próprio”.
🔗 Fonte
☎️ Chamadas abertas em destaque - Portugal💥
📍fevereiro
26/02 - DGARTES: Programa de Apoio a Projetos 2025 (Boa sorte <3)
28/02 - Cultura em Expansão - Porto
28/02 - Programa de Apoio à Circulação de Espetáculos 2025 da Fundação GDA
28/02 - One-to-One 2025
📍março
02/03 - Sonoscultura - Residência Coletiva
09/03 - Open Call Jazzopa 2025 - oficina criação colaborativa e performance: jazz, hip-hop, spoken word, em diálogo com outras linguagens.
10/03 - Apoio à Criação Artística - Gulbenkian
16/03 - Programa de Residência para Artistas Visuais e Cineastas - Cité Internationale des Arts
31/03 - 5ª Edição do Prémio Nova Dramaturgia de Autoria Feminina
31/03 - Programa Regional NORTE 2030
31/03 - Prémio Gulbenkian Património – Maria Tereza e Vasco Vilalva
📍abril
06/04 - 3.ª Bienal de Jovens Criadores de Mafra
23/04 - 3ª Edição dos Novos Talentos FNAC
24/04 - Creative Innovation Lab 2025
📍setembro
30/09 - Concurso de Texto de Teatro TEC 2026
📍outubro
31/10 - Apoio à Internacionalização - Fundação Calouste Gulbenkian (atenção: o prazo pode ser encerrado antes, dependendo do número de candidaturas!)
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