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#SOA_009 | produzir a si
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#SOA_009 | produzir a si

em algum momento, ser artista é também ser produtor dos seus próprios sonhos e ideias
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Muitas pessoas ainda não entendem o que isso realmente significa. Ser produtora é algo mais profundo do que parece.

Estou aqui para compartilhar meu processo com vocês, porque acredito que ele pode iluminar o caminho de outros artistas e produtores. Assim, reforço aos recém-chegados que fico muito feliz que vocês estejam aqui. A primeira parte do processo é sempre começar. Estar aqui, lendo e ouvindo, já é o início. Falar sobre, sentir sobre e se expor sobre. O começo é o lugar de onde se quer ir, e o processo vai dizer se o resultado será bom ou ruim. Mas só controlamos geralmente o processo. Como produtores, controlamos o caminho, mas se vão gostar ou não, nunca coube a nós, como a nenhum artista. Deixar o outro seguir sendo mistério.

Mas o simples ato de se envolver em si, no desejo, é um começo. A jornada de um produtor envolve ver, sentir, organizar e escalar etapas. Sempre ser o estopim que começa – marca a reunião, a ligação, o documento do Word – começar.

Fazer festa em si mesmo – comemorar quando se chega onde se quer. Mas, antes disso, lidar com o que temos: nossas angústias, nossos processos e o começo. Seja qual for o motivo, você está aqui. E isso já diz muito. Procurar conteúdo é começar. E assim, começar é produzir a si mesmo, seus desejos.

Essas newsletters são como uma carta de amor ao processo criativo, e a desta semana é sobre minha própria profissão, meu caminho e a estrutura de chegar até aqui. Espero que o efeito espelho esteja aguçado e que reflita as tais faíscas de criação sempre de forma potente, embora nem sempre alegre.

Eu como produtora

Sempre me apresento voltando para minha infância no subúrbio do Rio de Janeiro, na Vila da Penha – lugar que amo e odeio. Meu grande eu ainda está lá encaixotado nos armários na casa de mamãe e junto dos meus amores. O que caminha comigo aqui em Portugal é invenção. E voltar ao começo, para mim, é a forma de não perder o fio narrativo do trabalho que quero e sonho desenvolver. Porque imigrei, porque trabalho produzindo arte, porque quero ter estrutura para parir mais projetos no mundo.

Muito do que sou hoje vem dessa autodeterminação: ser criativa e produtora ao mesmo tempo. Mas não sou qualquer produtora. Dizer que sou uma “produtora criativa” parece até redundante, e às vezes acho realmente ridículo, porque todo produtor é criativo. Mas como o mundo não nos enxerga assim, colocamos alguns que sabem o que são: produtores criativos – os que desenvolvem ideias em coletivo. Desde o estagiário que lida com egos, necessidades e problemas de última hora, até quem está no comando. Se não entendermos que ser produtora envolve adaptação, criatividade e encontrar festa nas soluções, não seguimos adiante.

Zanele Muholi “Somnyama Ngonyama (Hail the Dark Lioness”): Série de auto-retratos.

O papel da criatividade na produção

Ser produtora é se reinventar constantemente. Não tem faculdade, não tem livrinho que ensine o que aprendemos na prática. Você aprende com as trocas, com o outro. É aí que mora a magia. Colegas, humanos do acaso, fornecedores, chefes — são eles que nos guiam. 'Amiga, como você resolveu isso? Estou tentando aqui, mas não rola.' É na experiência coletiva que aprendemos a lidar com situações inesperadas, como instalar postes no sertão ou treinar um carcará. Cada projeto, com suas peculiaridades, vai compondo quem somos. E o atravessamento é tão brutal quando misturamos arte e dinheiro que, por pequenos descuidos, pode nos implodir.

Esse é o efeito da produção artística — os processos são intensos o suficiente para criar emoções que reverberam para dentro de si. Criar estrutura para uma arte nascer, sem se perder nas horas extras do capitalismo, é o malabarismo mais difícil dessa profissão.

Até hoje vejo editais que dividem 'equipe criativa' da 'equipe técnica'. Mas quem, num projeto criativo, não é criativo? O técnico de luz que desenha a iluminação não está criando? Essa é uma visão elitista e excludente.

A clássica surpresa: 'Quem ganha o Oscar de melhor filme? O produtor.' Não é o diretor. A produção está no centro de tudo. Tcharam!

Zanele Muholi “Somnyama Ngonyama (Hail the Dark Lioness”): Série de auto-retratos.

O desprezo pela produção

Tenho verdadeira aversão a quem fala sobre produção com desprezo, como se fosse apenas um processo técnico, sem valor criativo: comida, transporte, dinheiro. Mas não é nisso que reside toda a base de sobrevivência? Nosso orçamento tem magia, onde 2+2 nunca é 4 — o 2 precisa render mais que o 1 para o projeto seguir no nosso Excel. A linguagem da planilha é complexa; conhecer as regras matemáticas ajuda, mas não é tudo. Colocar um projeto de pé e dar "check" nas tarefas não é fazer produção. Produção é dar valor à ideia do outro. É erguer fantasias com estrutura.

Manter todos "na mesma página" só funciona quando você realmente se interessa pelo outro e se deixa enxergar por ele. Gerir uma equipa pode ter dois vies - chegar no resultado final, geralmente se chega, mas e o como?

Uma equipe que te odeia, fala de você, e você grita com eles — mas no final ri dizendo: "não seria nada sem vocês". Bom, sabemos. Sentimos. Isso já aconteceu. O projeto sai, mas o elo é outro, é o capital. E nesse mundo brutal, que só vê dinheiro e planilhas, podemos dizer que não querem a ángustia da criação — aqueles que mantêm as pessoas ao lado porque precisam do emprego. Escolhas? Ou será capacidades?

Zanele Muholi “Somnyama Ngonyama (Hail the Dark Lioness”): Série de auto-retratos.

O amor pela produção

Eu me tornei produtora por admiração. Foi ao observar outras produtoras que me apaixonei. E literalmente disse a uma delas: quero ser você quando eu crescer. A forma como elas sabiam de tudo, orquestravam tempo, equipe, dinheiro e ideias. Ser produtora é ser uma ponte e um atravessamento.

Essa carta de amor da semana é para celebrar meus colegas produtores e o quanto nosso coletivo evoluiu. Houve um tempo em que se dizia que o setor era cheio de mulheres brutalizadas e mal-amadas, numa lógica patriarcal podre, a qual conheci quando comecei, aos 17 anos. Hoje, somos a base de muitas áreas das artes, criando coisas incríveis. O famoso "dar conta de tudo" agora é motivo de orgulho e alegria, porque para mim ele se tornou algo colaborativo e expansivo. Ser reconhecida como produtora hoje é sinônimo de orgulho. Assim como deveria ser para você, artista ou escritor. Mas entendo que a produção, por se aproximar mais da lógica financeira, é mais aceita no mundo das artes justamente por essa falsa ideia de que nos falta brilho criativo.

Hoje, vencemos — ou tentamos vencer — a competição nos aliando, sabendo que produtor aprende com outros produtores. Nos sustentamos através dessas trocas e colaborações. Você só sabe se ganha bem ou mal se perguntar quanto outro produtor ganha. Aliar-se é o alicerce. Quem já fez uma peça lá antes? Quem já pagou um artista da Croácia? Qual foi o percentual do invoice? Networking é importante, mas a rede mais poderosa é a dos nossos pares.

No Brasil, faço parte da API (Associação dos Produtores Independentes do Cinema), e o grupo é uma verdadeira aula sobre como se organizar coletivamente, construir e resistir politicamente. É impressionante o que a união dos produtores e a capacidade de erguer estruturas podem fazer politicamente quando atuamos em coletivo.

Em Portugal, estou em outro grupo de WhatsApp, com 339 produtores, onde trocamos desde 'Onde alugo uma cortina preta de 20 metros?' até questões burocráticas. Devagar, sinto a abertura sobre o processo político se ampliando. E isso sempre terá valor. Além disso, há os subgrupos de projetos antigos — tenho um grupo de filme de 5 anos atrás, com a equipe de produção, que segue ativo, entre trocas, amores e saudades. Se estou sendo ingênua, é o que me cabe hoje: não me sentir sozinha diante dos processos que produzimos.

E vocês, artistas de outras áreas? O quanto contribuem entre si? O que aprendem com o processo do outro?

Limpamos o chão, escolhemos a lente que vamos orçar junto com o fotógrafo, equilibramos sonho e realidade para que o projeto aconteça da melhor forma possível, sempre com muito respeito ao trabalho do outro e exigindo respeito pelo nosso. Isso é produção.

Zanele Muholi: Eye Me - Zazi I & II, Boston (detail), 2019; Bader + Simon Collection; © Zanele Muholi

O produtor como espelho

Ser produtora é amar os seres humanos, enxergar o outro e colaborar. Nem todo mundo quer ser produtor, mas, se você é artista, em algum momento precisará ser o produtor do seu próprio processo, nem que seja apenas para entender o que é o nosso trabalho. Isso vai te ajudar a se aliar bem e a convencer alguém a embarcar no seu sonho.

Nós, produtores, somos incríveis. Encontre o seu — dentro ou fora de você — e nunca o abandone.

E, caso você esteja vivendo o meu processo, o inverso — produtores que precisam se enxergar um pouco mais como artistas — aqui vai meu recado carinhoso, como uma mensagem numa garrafa: permita-se. Sei que os anos de produção às vezes nos tornam mais incrédulos em relação às artes, por conta da burocracia que enfrentamos para pagar nossas contas e do ambiente tóxico que a produção pode desenvolver. Mas criar vai além do racional. Experiências ruins não definem o todo. Sim, tem uma vibe de autoajuda aqui — quase um "coach criativo" de produtor para produtor — mas me permito isso, porque sei, dentro de mim, que quando nós, produtores, trilhamos esse caminho mantendo o percurso como nosso alicerce, o potencial é ainda maior. O famoso "tá com medo? Vá com medo mesmo" continua fazendo sentido em todas as carreiras e vertentes criativas que decidirmos explorar.

Foco, Honestidade e Esperançar

Estou prestes a tirar férias. Vai ser um tempo com pouca internet e pouca sombra, mas com vontade de honrar meus desejos e compromissos. O projeto "Se Organiza, Artista!" fará 6 meses em 29 de novembro, um bebê, e quero preparar as próximas newsletters com carinho. Mas, honestamente, não sei se conseguirei manter o cronograma. Vamos lidar com a culpa de ser freelancer, CEO de mim mesma, tentando equilibrar limites. Honestidade é um processo doloroso, mas necessário. Seguimos aqui, honrando nossos desejos, sem extrapolar a nós mesmas.

Com carinho e energia,

Chaiana Furtado
Beijos de #FocanaLuz ✨
☄️Obrigade por ler/ escutar o Se Organiza, Artista!
Sua interação é a chave para democratizar e apoiar nosso trabalho.✨

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🏹 #SeInspiraArtista

Esta semana, quero destacar o trabalho de Zanele Muholi, uma artista visual sul-africana que desafia representações convencionais. Sua série de autorretratos "Somnyama Ngonyama (Hail the Dark Lioness)" é um convite a refletir sobre identidade, corpo e resistência. Recomendo que explorem o trabalho dela e se inspirem.


☂️ S.O.S da semana:

Minha pergunta da semana é: você conhece as produtoras por trás das obras que admira? Muitas vezes focamos nos artistas, mas quem são as mentes criativas que fazem as produções acontecerem? Compartilhe conosco quem você admira:

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🔦 Lanterna da Foca:


Graças aos meus amigos produtores (sempre eles;) tive a oportunidade como a maioria que esteve lá de ganhar um ingresso e ir ao Tribeca Film Festival em Lisboa. A produção foi grande, via ali o dinheiro em cada partezinha da estrutura e da sinalética, mas os talks, toda a programação... um constrangimento. Para quem quiser mais detalhes, recomendo a leitura do relato “Tribeca Lisboa: Um Insulto ao Cinema, ao Espectador e à Cultura em Portugal” do David Bernardino. Fica a reflexão: o que Lisboa e outras cidades esperam ao investir dinheiro público em eventos como esse?

Foi realemnte muito constrangedor estar presente, especialmente como uma amante do cinema, mas, em meio a tanta frustração, algo positivo se ficou. Foi a primeira vez que vi Dino Santiago ao vivo e não conheço ainda muito o trabalho dele. Mas deixo aqui parte da fala dele, para quem não pôde assistir, pois foi o único holofote que chamou atenção. Vamos focar nas coisas boas e tentar jogar luz:


☎️ Chamadas abertas em destaque - Portugal💥


Para todas as chamadas em aberto que publicamos, dicas gerais e materiais de estudo e pesquisa acesse nosso Bento.me ;)


🔮 Se Organiza, Artista meu!


Encontre todos os links com as chamadas publicadas através das nossas redes bio.site/seorganiza.artista. Monte sua agenda de interesses e não se desespere. Prepare-se para as chamadas com calma, fé e sem desistir. ;)


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