1Vi essa frase numa plaquinha, provavelmente em algum post do Instagram — não sei quem falou nem de onde tiraram — mas deixei ela guardada, anotada. Queria regurgitar o que ler essa frase me trouxe de sensação. Eu sempre encarei como uma frase de autoajuda para mim mesma, quando a insônia volta a me isolar do resto do mundo que dorme e me faz, sem dó, encarar o que de fato está me tirando o sono: meus desejos.
A frase parece ter encontrado um lar em mim, funcionando como um espelho para os momentos em que o silêncio e a solidão da noite trazem à tona o que é mais visceral: eu realizei a maioria das minhas insônias. E é bom valorizar isso — me entender com isso — me parabenizar por isso.
Nas últimas semanas, venho escrevendo sobre encarar as mudanças e percebi que não só mudar é sinal de movimento em direções desconhecidas, mas que todas elas já foram insônias > ações > mudanças > novo. Esse é o fluxograma da insônia que não se tornou paralisia > doença > depressão > esgotamento mental.
Um desencadear de coisas pode vir das mentes com insônia como parte do processo de criar e de existir.
Como encarar de novo a insônia?
Os desejos se transformam em algo que exige ser enfrentado. Ou talvez seja sobre como o silêncio da noite desfaz as distrações e obriga a entrar nessa cela solitária que é o nosso cérebro, e a nossa voz.
A insônia é uma presença que faz companhia em momentos cruciais da jornada. Na época da depressão, foi um sintoma. Foi medicada. O psiquiatra falava que eu precisava dormir para estar saudável. Nunca entendi a lógica, mas eu tomava, apagava — e conversava com meu corpo para ele voltar ao ritmo normal, como se eu estivesse só dando um empurrãozinho para ele seguir.
Após esse período, foi uma das coisas mais doloridas de ressignificar e entender em mim, e de desmamar, como dizem. No início, odiava tomar remédio para dormir. Colocava as gotas, e era como se eu me deixasse vencer pela doença. Apagava. Acordava me sentindo derrotada. Mas, quando comecei a retirar as medicações, essa foi a última — como encarar de novo a insônia?
Deixava do lado da cama o SOS para o caso de os olhos insistirem em se manter alertas. Tomei várias gotinhas aleatórias quando percebia que era 2h da manhã e eu ainda estava acordada. Me parecia errado, desfuncional, falar que passei a noite toda acordada: pensando. A tal boa qualidade de sono deveria ser alcançada, mesmo que dopada — embora sem qualidade — mas podendo dizer: sim, eu dormi.
O que isso desencadeava era começar o dia de ressaca do remédio, chegar tarde no trabalho e mareada. Cortava o fluxo da insônia e criava outras angústias. O estado de alerta constante vai sempre desencadear coisas, seja medicado ou não. O que mais demorei a agarrar em mim na nova fase de recuperação foi que as consequências de quem sempre está colocando o cérebro para ferver em óleo quente não precisam ser sempre diagnosticadas.
Reprogramando os sentidos
O resignificar da insônia só chegou este ano. E eu percebi que estava fazendo isso quando parei de ter medo de ficar acordada e me entreguei — justamente como eu fazia quando era criança: era uma aventura, uma coisa nova, uma coisa mágica. E, quando percebi que me reconhecia em momentos bons, soturnos e noturnos, fiquei mais aliviada. No jogo de memória, recordo as insônias de quando era pequena e as produções mágicas que criei com elas. Tantos desenhos e rabiscos.
E não é da produção 24/24 que estamos falando aqui, mas da produção criativa de quem sabe que precisa dar atenção ao irracional que se manifesta — a mensagem que teu corpo, ao não descansar, está te pedindo atenção. Eram recortes de revista, desenhos, vídeos, escritos — via filmes em repeteco e, quando produzia e materializava a insônia em ação, ela passava. Sei que tem adultos hoje que vão correr na madrugada — eu voltei a desenhar.
O que busco é também a exaustão — o estar satisfeita — com outro tipo de ressaca matinal. Algo sem sentido explícito estava tomando forma real. Eu me via acolhida e cuidada por mim. Seguia meu curso, e eu dormia nos dias que se seguiam. Ignorar minha cabeça em fervelhidão não é uma opção saudável.
E veja bem, não dormir é sintoma, diz a medicina. Procure ajuda. Não sou contra remédios, pelo contrário — estou aqui hoje graças a eles. Sou contra é psiquiatra ruim, que só sabe olhar em uma única direção de um sintoma.
Meu ponto de debate é que a insônia também pode ser sintoma de outros processos — sinais de mudanças, de expectativas, de medos, mas também de processo criativo — e é deles que vamos esmiuçar aqui.
Tento realocar minha insônia em um lugar dentro, mas também fora de mim, onde ela possa me pertencer por completo nesse deslocamento. Se eu ficar acordada, quero sentir um novo cheiro da noite, não só de fritura. Deslocar o significado para não ficar só o toque que a mão busca rapidamente nas cicatrizes do passado marcado pela doença mental.
Hoje, essas noites para mim são também leitura, podcast, ver um filme atrás do outro até o amanhecer, sonhar alto, sonhar de olhos abertos na hora em que todos os sonhos estão conectados. Naquele momento, geograficamente, sou capaz de me conectar com meus projetos, meus anseios, mas também meus desejos — a censura, acho, não sofre de insônia. A noite é quando ela vai embora. Então, ocupo esse portal com mais coragem e presença. Vivo a angústia para poder absorvê-la e seguir.
Tudo, tudo já foi insônia
Se pensarmos no frenesi que é ter uma ideia, é improvável imaginar esse ser dormindo imediatamente, carregado de calma e desligamento de seus pensamentos. Insônia não é necessariamente um lugar de ansiedade; às vezes, é só um lugar de criação. Quero acreditar nisso.
Agradeço hoje por todas as minhas insônias, porque tudo aqui, de fato, já foi insônia e hoje existe — palpável, real. A mudança para Portugal, a mudança de carreira, os projetos, o SOA, a formação que fiz este ano do Estado Bruto — tudo, tudo já foi insônia.
Conflito de hoje
Como um personagem não vive sem conflito, pois bem — sigo aqui, no fim de ano, com o mesmo conflito motivador que é escrever essa newsletter: ela não nasceu com o intuíto de falar da minha vida pessoal, e eu continuo brigando comigo mesma toda semana na hora de escrever. Porque continuo achando que vale a pena falar - e é preciso aceitar o que eu acredito - que é o compartilhar de processos criativos. O de como criar e a arte nos afeta. Acho muito poderoso, nesse mundo artístico que finge ser progressista e democrático mas é normativo, medroso, aprisionador e medicado, poder falar sem medo sobre a nossa experiência de estar viva e criando e, no meu caso, produzindo.
Um brinde as futuras insônias
Ano novo, casa nova, trabalhos novos, mil projetos novos. DGArtes fazendo chamada de concurso dia 23 de dezembro! Run Lola, Run! Recebi "sins" e "nãos" nos projetos que ajudei a desenvolver e para os quais fiz consultoria. Um deles me deixou com ódio, porque não tirou só a sensação de injustiça, mas também de xenofobia.
Ódio é motor, mas, ao mesmo tempo, deixa a gente em frangalhos. O fim de ano, Natal, não é uma época boa para quem vive a um oceano distante da família. São dias de profunda saudade. O cheiro de rabanada com canela me atravessa enquanto estou embaixo de uma coberta grossa, tentando me proteger desse frio que a solidão da distância traz.
Não deixar a ansiedade tomar conta do nosso coração, não deixar ela nos congelar ou impedir de agir. O "fracasso" faz parte — mas não é fácil. O jogo, o mundo, os editais, os manuais de instruções, os cursos em etapas de "como fazer" nunca contemplam a tua realidade específica. E assim seguimos aqui, escrevendo.
Se depender de mim e das minhas insônias, espero ajudar muitos projetos a se estruturarem, ganharem corpo, forma, fôlego e reunir equipe, para seguirem diante do impossível. Porque nem toda insônia precisa ser vivida sozinha — criar é coletivo, e a mensagem da madrugada de: "Ei, tá por aí?" também é aquele motor de sermos menos sozinhos nos nossos sonhos-queimaduras-estado de alerta.
Essa é a aposta aqui: que a gente possa se identificar com pedaços de coisas que sentimos, mas não conseguimos nomear, e que alguém, ao conseguir nomear um tanto, possa transmitir um acalento.
A arte está aí para isso: dar nome ao inominável.

Um desejo de Feliz Natal no sentido mais gostoso que a rabanada da minha mamãe: de um estar rodeado do que se acredita, mesmo debaixo do cobertor, sozinha — povoaremos nosso imaginário de recordações, amigos, novas construções familiares e equipes que inflem nossas insônias com possíveis esperanças de realizações prazerosas e coletivas.
Até semana que vem!
Com carinho e energia,
Chaiana Furtado 💜
Beijos de #FocanaLuz ✨
☎️ Chamadas abertas em destaque - Portugal💥
🔥 O grande destaque de hoje é o anúncio da DGArtes (Direção-Geral das Artes), que finalmente divulgou os detalhes dos próximos concursos de apoio a projetos para o ano de 2025! Apesar do atraso, o concurso tem previsão de abertura para o dia 7 de janeiro. Mas não espere até lá: todas as informações que você precisa para se preparar já estão disponíveis: APOIOS A PROJETOS ABREM EM BREVE
📍dezembro
30/12 - Artists'Shelter OPEN CALL - Sekoia - Artes Performativas
31/12 - 33.ª edição do Curtas Vila do Conde - até 30 de Abril de 2025 (prazo final)/ taxa reduzida até 31 de dezembro.
📍janeiro
08/01 - MODE - Criação e Produção - Fundação GDA
13/01 - Keychange Talent Leadership Programme 2025
31/01 - VI Feira Ibérica de Teatro
📍fevereiro
11/02 - Circulação de Obras Literárias Europeias
14/02 - [BOLSAS FLAD] Residências Artísticas nos EUA 2025
📍março
31/03 - 5ª Edição do Prémio Nova Dramaturgia de Autoria Feminina
🚀 Para todas as chamadas em aberto que publicamos, dicas gerais e materiais de estudo e pesquisa acesse todos os links pelo nosso Bento.me ;)
🎓 Dicas para um Organizar de Artista
⚡️ Deixo aqui minha pasta do Pinterst com indicações de Livros que recomendei ao longo do ano por aqui ;)
⚡️ E outra coisa pela qual sou completamente apaixonada e que utilizo nos momentos mais ansioliticos de ebolição mental: mapas mentais! Seja fluograma ou qualquer outro nome, eles são ótimos para organizar projetos. Eu uso bastante o site/app MindMeister para isso. Além disso, criei uma pastinha de referências que comecei a construir aqui para a primeira oficina do Estado Bruto que aocnteceu em outubro.
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Para ler escutando Un Amor Violento 😉
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