Criar é sobre permissão, lembra?
Um comentário insistente no último sábado me chamou atenção. Eu estava muito emocionada. Transbordando saudade, afeto, um bando de sentimentos que ainda não sei nomear. E uma das formas de não nomear, mas sentir, geralmente, é chorar.
Criança chora muito. Nós aprendemos a engolir o choro, especialmente as mulheres. Ninguém suporta ver uma mulher adulta chorando "sem motivo" – e o motivo era sentir. Sentir felicidade, saudade, amor.
Fui exposta, em uma festa de aniversário infantil, a um conjunto cartográfico afetivo especialmente arrebatador. Uma constelação de afetos complexos, tênues, fortificados por muitas gerações, cuidados e histórias que, de alguma maneira, se cruzaram no espaço-tempo. Pessoas, narrativas e, claro: o carnaval.
Fui pega de surpresa por encontros inesperados, tive que me despedir fisicamente, mais uma vez, de alguns amores que me constituem enquanto ser humano. Ao estar ali, silenciada na festa de palavras, sentada, "assistindo" essas pessoas existirem em sua delicadeza, eu chorei.
E fui interpelada mais de uma vez:
— Não precisa chorar! Você tá feliz.
— Aaa, amiga, para de chorar!
— Chora, chora, é bom chorar.
De um extremo ao outro, do "para com isso" ao "vai lá e chora", poucos de nós conseguimos realmente perceber e permitir o transbordamento de emoção no outro.

Permissão para criar, permissão para existir
Para mim, a arte vem dessa permissão também. Não só da permissão de chorar em público, mas da permissão de provocar reações não solicitadas.
A emoção que você transmite emociona e atravessa o outro também.
Ali, parada em observação, de alguma maneira, eu era uma bandeira que lembrava ao outro há quanto tempo ele mesmo não chorava de felicidade. Não chorava de saudade. Não demonstrava amor.

Sobre o Edital da Gulbenkian
Fizemos uma sondagem no Instagram do Se Organiza, Artista! sobre o edital que acabou ontem, e ele foi o mais compartilhado e viralizado das nossas redes. O edital de Apoio à Criação Artística da Fundação Calouste Gulbenkian teve um alcance muito maior que o da DGArtes, que, na prática, abrangia mais projetos e possibilidades.
A pesquisa trouxe um dado interessante:
📊 50% responderam: "Achei que servia para o meu projeto, mas no fim, não."
📊 12% tentaram, ficaram angustiades e desistiram.
📊 12% desistiram, mas pensam em tentar no próximo ano.
📊 25% conseguiram inscrever seus projetos.
O edital da Gulbenkian tinha uma particularidade importante: não só abrangia menos tipos de projetos (porém incluía cinema, que a DGArtes não abarca), como exigia que, no mínimo, 40% do orçamento dependesse exclusivamente do apoio deles. Isso fez com que muitos projetos já financiados não pudessem concorrer, pois o valor máximo do apoio era 16 mil euros.
Se na DGArtes há uma lógica de independência, onde quanto menor a dependência do governo, melhor, na Gulbenkian a premissa é outra. O edital é privado, tem outras metas, objetivos e diretrizes de avaliação. Eles deixam claro no site quais projetos foram selecionados nos últimos anos, o que já nos dá um caminho para entender o que recebem chancela.
Fiz um cruzamento disciplinar para a DGArtes e, automaticamente, adaptei meu orçamento ao modelo deles (que, aliás, gosto bastante, porque no final há uma fórmula de double check – se os números não zerarem, algo está errado. Toda planilha de edital deveria ter isso!).

Mas olha, senhores e senhoras da Gulbenkian, eu, como produtora, gostei. Já os artistas, que veem um Excel e choram, nem tanto. A realidade é que, infelizmente, muitos ainda não têm um produtor de mãos dadas nesse processo. Quero acreditar que, no futuro, a banca possa ser mais flexível com a exigência do Excel – até porque, dentro do próprio formulário de inscrição, já era necessário detalhar os itens orçamentários.
Ou seja, havia ali mais uma chance para os artistas, sem produtores ao lado, deixarem claro o direcionamento do apoio. Fé!
No geral, achei o formulário online simples. A possibilidade de enviar PDFs ajuda a vender melhor um projeto, mas também demanda mais tempo. E aí surgem as dúvidas: já é para ter o conceito visual fechado? Ou é melhor manter simples?
Pois bem, como toda resposta: depende!
Aqui, esperamos que vocês tenham percebido a direção desse edital e possam alinhar expectativas para remar na direção certa – entre os 25% que conseguiram apertar o "submeter" dessa vez.
A falta de feedback nos editais
O que ainda falta no universo dos editais, e torço para que um dia seja diferente, é um retorno mais construtivo aos artistas que investem tempo e energia nessas aplicações. O pior dessas braçadas imensas e doloridas é receber aquele email padrão:
"Recebemos muitas inscrições, foi uma escolha difícil, mas infelizmente, não foi dessa vez."
Ok, mas por quê?
Se o critério for objetivo, gostaria de saber.
🔹 Seu orçamento não deixou claro a aplicação dos recursos.
🔹 Sua equipa parece sem estrutura ou incompleta.
🔹 Seu cronograma foi julgado apertado.
Ter esse tipo de feedback nos ajudaria a melhorar e não desistir no terceiro, quarto "não" que levamos.
E sim, vamos levar muitos "nãos" – especialmente nesses editais grandes. Mas a fórmula em Portugal, principalmente, é essa: pouquinho em pouquinho. Uma hora chega lá.

Arte não é tiro curto
É um apoio em espécie. Um navegar de curtas braçadas. Um verdadeiro preparo de fôlego de maratona.
Não tem tiro curto. Não dá para achar que vai realizar o projeto 100% com um só edital.
Tem quem consegue? Sim.
Mas é sustentável? Não.
Ganha UM edital, faz UM projeto… e depois? Como vive de arte?
Um projeto puxa outro. Uma ideia pode gerar diferentes projetos. Se uma ideia virar apenas um projeto, você, artista, vai precisar sempre ser um poço inesgotável de parcerias e novidades.
As diferentes fases de uma ideia podem gerar diferentes modelos de projetos. Assim, seguimos aprendendo sem burn out mental e emocional, e sem precisar largar o mar.
Porque seguir no mar é essencial. Quem sai das águas perde a aventura, o sal, o suor e as lágrimas.
O espaço que o choro libera
Chorar em público, hoje, na minha vida adulta, é o que eu chamaria de estar consciente do meu momento presente.
É meu corpo e minhas emoções alinhados.
É dar ao meu coração o espaço vazio que o choro libera para bombear ainda mais criação.
Aqui seguimos suando, chorando e mergulhados.
Com carinho e energia,
Chaiana Furtado
#FocaNaLuz ✨
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🏹 #SeInspiraArtista
A inspiração da semana veio em diálogo com o trabalho da artista Carolina Caycedo e sua série “Cosmotarrayas: Histórias de Desapropriação e Resistência”
Carolina Caycedo (nascida em 1978, em Londres, Reino Unido) é uma artista multimídia radicada em Los Angeles.
Filha de pais colombianos, sua prática artística é baseada em pesquisas ambientais, com foco no futuro dos recursos compartilhados, justiça ambiental, transição energética e biodiversidade cultural. Por meio de sua contribuição na construção comunitária da memória ambiental e histórica, Caycedo busca maneiras de prevenir a violência contra seres humanos e a natureza.
A série Cosmotarrayas consiste em esculturas suspensas que representam as "histórias de desapropriação e resistência" das pessoas que a artista conheceu durante seu trabalho de campo com ativistas ambientalistas na América Latina.
As obras são construídas com redes feitas à mão por comunidades ribeirinhas de pesca – atarraya significa "lançar uma rede". Essas comunidades têm seus meios de vida ameaçados por projetos de construção de barragens que podem inundar seus vilarejos.
"Precisamos reimaginar e reorientar nossa relação com a água," afirma a artista, "para resistir à ideia do rio como um recurso a ser explorado e, em vez disso, compreendê-lo como um ser vivo, com uma capacidade quase infinita de oferecer e sustentar, quando cuidado." fonte
☎️ Chamadas abertas em destaque - Portugal💥
📍março
16/03 - Programa de Residência para Artistas Visuais e Cineastas - Cité Internationale des Arts
28/03 - Prémio Quem Brinca É Quem É | Fundação Santander | 2ª edição
31/03 - 5ª Edição do Prémio Nova Dramaturgia de Autoria Feminina
31/03 - Programa Regional NORTE 2030
31/03 - Prémio Gulbenkian Património – Maria Tereza e Vasco Vilalva
31/03 - Apoio à realização de cursos de curta duração em artes cénicas nos PALOP
📍abril
06/04 - 3.ª Bienal de Jovens Criadores de Mafra
11/04 - Innovation Call: Short Innovation Projects 2025 Segmento 2 (consórcio)
13/04 - Bolsa de Criação Teatral Amélia Rey Colaço
23/04 - 3ª Edição dos Novos Talentos FNAC
24/04 - Creative Innovation Lab 2025
30/04 - 7.ª edição do Prémio Imprensa Nacional/Ferreira de Castro
📍setembro
30/09 - Concurso de Texto de Teatro TEC 2026
📍outubro
31/10 - Apoio à Internacionalização - Fundação Calouste Gulbenkian (atenção: o prazo pode ser encerrado antes, dependendo do número de candidaturas!)
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