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#SOA_030 | visualização
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#SOA_030 | visualização

Qual o sapato que você estará no dia?
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Antes de viver um momento importante, já tentei vivê-lo muitas vezes dentro da minha cabeça, e nem sempre isso é ruim. Como tudo na vida, entre algo ser bom ou ruim, há sempre um grande percurso. Imaginar qual sapato você estará usando para cruzar algumas linhas pode ajudar.

Visualizar não é apenas sonhar, é se preparar - confere esse recado, produção?

Txema Yeste - Heat, 2016.

Visualizar: estar constantemente vendo coisas. Que existem ou não. Prever dentro de si e ver - narrar - poder tocar de tão real. Eu não sabia que tinha uma técnica que utilizava desde criança, mas, aparentemente, esse tema me chamou atenção enquanto lia o novo livro da Natália Souza sobre o medo de dar certo. Ela descreve, na página 67, uma técnica que descobriu e chama de "visualização". A curiosidade dela surgiu através de uma pesquisa sobre como os atletas lidam com grandes eventos esportivos. Ela digitou "ansiedade em atletas" no YouTube para perceber como eles se preparavam para lidar com a pressão antes das competições. Lendo sobre isso, percebi que faço isso desde criança, de forma extremamente intuitiva. E, tomando consciência disso pela leitura dela, percebi que essa prática já me protegeu de muitas coisas. Passei anos julgando minha própria capacidade de antecipação pelo olhar do outro, que frequentemente a interpretava como neurose, ansiedade, pessimismo. Mas...

Através dessa técnica da visualização, que sem saber, apliquei muito na minha carreira no cinema como produtora e continuo utilizando, tive vontade de compartilhar isso com vocês - após essa virada de consciência. Porque quero continuar usando, mas de forma mais apropriada por mim.

Então, vocês também utilizam essa técnica de visualizar as coisas antes de acontecerem? Ou só chamam isso de ansiedade?

Nessa mesma semana, comecei a reler um livro que ganhei há mais de 10 anos da Rosa Montero, chamado A Louca da Casa. Nesse livro, Rosa Montero fala sobre o processo de ser escritora e de conversar com essa "louca" que mora dentro da nossa cabeça. Releio porque é um dos melhores sentimentos da vida: a paz de reler um livro ignorando todas as últimas compras e o "TEM QUE LER" maluco. Para ela, todo escritor tem um pouco de esquizofrenia dentro de si, para imaginar, sentir os personagens e visualizar as cenas. O que é o cinema, se não isso?

Txema Yeste, 2023.
Txema Yeste

Fazer cinema foi a carreira que escolhi, minha primeira carreira. O cinema não me escolheu. Fui eu que fui atrás. E o primeiro exercício foi me ver lá, sem nem saber o que era aquilo. No cinema, como produtora, aprendi a ler/ver documentos. Tudo começa com um guia, que é o roteiro/guião. Nele, há descrição das cenas: dia, noite, interior, exterior, objetos principais da cena, figurino, entre outros. O roteiro dita o que está sendo visto. É a descrição de uma cena. Depois, vêm os diálogos e, então, o processo de imaginação coletiva de toda a equipa: da realizadora, da tec de som, diretora de fotografia,..

Como produtora, eu não apenas pensava no que estava escrito no roteiro, mas também no que estava ao redor, nos espaços-tempos separados - o antes, o durante e o depois. Se a cena era noturna, eu sabia que precisava de um pouco mais de luz. Se tem luz, precisa de um caminhão de luz. Se tem caminhão de luz, precisa de estacionamento. Se a filmagem fosse no Rio de Janeiro, eu precisava reservar vagas com pelo menos 24 horas de antecedência para o caminhão poder estacionar, além de contratar segurança para os caminhões e alguém para organizar o trânsito e minimizar o impacto na cidade. Tudo isso porque no roteiro estava escrito "Noite".

Nunca fui muito ansiosa, embora extremamente pilhada, no meu trabalho, porque meu processo de imaginação sempre foi muito detalhado. No trabalho, usar esse poder me permitia ler um roteiro e imaginar o que estava em volta. Se havia perigo em cena, por exemplo, pensava na necessidade de seguros, dublês, ambulâncias e protocolos. Se havia pessoas, pensava em como elas se deslocariam para o local, como comeriam, onde iriam ao banheiro, o que precisariam. Esse é o papel do produtor: um processo criativo exaustivo que envolve imaginação e antecipação do que será necessário para que tudo possa acontecer.

Acho que muitos artistas têm dificuldade de imaginar o que está além do que aparece na frente da câmera - ou na sua música final - em sua tela. Tudo o que está por trás é resultado do trabalho de um produtor (mas não somente) que prepara cada detalhe para que o que está na frente aconteça sem problemas.

Lendo agora o livro da Natália, percebo que os atletas usam essa técnica de visualização para lidar com tudo e que nós também podemos. Quando o dia chega, parece que eles já viveram aquilo. Eles se propõem a um ritual: escolhem um lugar tranquilo antes da competição e imaginam cada detalhe - a roupa que estão usando, o perfume, a imagem refletida no elevador, os elementos do ambiente. Segundo Natália, quanto mais detalhes, melhor. Se repetirmos esse ritual de imaginação todos os dias até o dia do evento, ele se tornará algo familiar. Quando chegar o momento aguardado, a sensação pode ser de relaxamento.

No cinema chamavamos isso de toda o processo bem feito de pré produção - reuniões interminaveis - discussoes com euipas e mais equipas - idas e voltas na locação - fotos e relatorios - muitos documentos acumulam um processo intenso de pre produção. Saudades <3

Mas, na vida pessoal, quando não me permitiam participar do processo criativo e apenas me viam como uma produtora burocrática, eu sofria. Fui demitida de alguns projetos porque, na minha cabeça, me importei demais com coisas que não estava contratada para fazer - justamente o limite entre a produção de campo e a produção criativa.

Txema Yeste, 2023.
TXEMA YESTE

A capacidade de visualizar o que vai acontecer pode nos ajudar a liberar espaço interno e diminuir o estresse. Mas nem toda imaginação é positiva. No meu caso, a imaginação do medo da rejeição, do abandono, do ciúme, da inveja - tudo isso também é parte da minha mente.

A mesma potência que tenho para visualizar filmagens e projetos me faz imaginar desastres.

Fiquei aterrorizada com o último terremoto que teve aqui em Portugal, mesmo que nada tenha caído na minha casa e nada tenha acontecido no país. Passei 40 minutos chorando e me tremendo, pensando no "e se". E se a casa tivesse caído? O que fazer no próximo terremoto? No caso do terremoto, eu ainda não sei o que fazer. Ele vai acontecer de novo, mas não sei quando. E isso segue me aterrorizando - preciso viausaliar um plano de fuga, uma solucão que ainda não tô vendo. Me ajuda governo.

Esse mesmo medo se aplica ao trabalho. Tenho medo de ganhar um edital, mesmo concorrendo para ele. Tenho medo de chegar na reta final e ver meu projeto aprovado. Tenho medo de assinar um contrato e não conseguir prestar contas. De ter enganado todo mundo muito bem falando que conseguiria fazer esse projeto que olhem para mim, nitidamente, não consigo. Tenho medo de não ter equipa suficiente. O medo está em tudo, mesmo nas mudanças positivas.

A imaginação é poderosa. Talvez seja hora de não apenas imaginar as partes boas, mas também considerar os desafios para estarmos preparados quando o terremoto - literal ou metafórico - chegar - agarrar tudo isso e dizer: me pertence. Sentir, se imaginar, sonhar é recurso poderoso, faremos uso.

Com carinho e energia,
Chaiana Furtado

#FocaNaLuz ✨

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🎭 Artista visual da semana: Txema Yeste

Sou completamente apaixonada pela fotografia de moda, especialmente por sua estética narrativa e cinematográfica. O universo fashion tem um poder inspiracional incrível, trazendo grandes produções, cores saturadas, encenação teatral e um storytelling visual marcante.

O trabalho de Txema Yeste exemplifica isso de forma intensa. Suas imagens são pura movimento e narrativa, parecendo cenas de um filme prestes a acontecer. É a imaginação visual em sua forma mais vibrante, um convite para enxergar além e antecipar o que está por vir, curto demais. Espero que gostem. 📸 @txemayeste

📚 Livros citados:

🎧 Podcast que escutei:

"Malangragem, preguiça, guardando proporções diversas – o tempo da vida não pode ser colonizado com o trabalho integralmente, ninguém suporta. A malandragem é o desvio da violência do excesso."
— Renato Noguera, no podcast Bom dia, Obvious.


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